(Imagem: Átila Roque)
1.
– Você é muito lido?
– Lindo?
– Lido.
– Ah, também não.
2.
– Um medo.
– De sarau.
3.
Na foto, o turco Mesut Hancer segura a mão de sua filha de quinze anos, Irmak Hancer. O ambiente é de ruína (pedras, concreto, vergalhões e pedaços de móveis à vista), e a menina está morta, estendida embaixo do colchão em que dormia. O pai não a abandona, enquanto as equipes de socorro procuram sobreviventes ou outros corpos.
Faz muito frio na Turquia.
4.
Amor, antes de tirar o diabo do corpo, passa aqui em casa. Tem vinho na geladeira e um queijinho da canastra.
5.
– Ontem me senti tão brasileiro.
– Foi prum samba, se acabou na feijoada e na caipirinha?
– Não, nada disso, furei uma fila.
6.
– Meu filho, você anda comendo muita gemada.
– É que vou fazer um “pode quede”.
– Um quê?
– “Pó de kedis”.
– O quê?
– “Pote quetis.” “Pô, discaste.”
– Seja lá o que for isso, chupa uma balinha, ovo dá um bafo danado.
7.
– Como você tem visto a conjuntura?
– Molhando no chuvoso, sendo até mesmo um pouco crochê, me recorro ao chico popular: Deus escreve ovo por linhas chocas.
8.
Caminhando pela pista Cláudio Coutinho, um tiê-sangue, aproveitando que não havia ninguém além de mim por perto, pousou num galho e ficou passando o bico de um lado e de outro. Não sei se amolava, limpava ou coçava o bico, mas que o passarinho contou com o fato de que eu jamais o importunaria, nem mesmo tirando uma foto, disso tenho certeza.
9.
Beber, bebi. Ficar bêbado, fiquei. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra.
10.
Sonhei um poema, acordei sem me lembrar de um mísero sequer de seus versos, mas de sua beleza não me esqueço.
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Alexandre Brandão, mineiro que vive no Rio de Janeiro, tem livros de contos, poesia e crônicas. Neste caso, “No Osso: crônicas selecionadas” (Editora Cais Pharoux), de 2012, e “O bichano experimental” (Editora Patuá), de 2017. As crônicas de “O bichano experimental” foram, em grande parte, escritas para a RUBEM. Alguns de seus contos e poesias podem ser encontrados nas revistas eletrônicas Mallarmargens, Germina, São Paulo Review, além do jornal Rascunho. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.