Para Fernando Sabino

Onde está o meu caderno? Não gosto dessa roupa, por que a senhora sempre faz eu usar ela? Eu não pedi pra nascer. Tem o que pro almoço? Quanto é nove vezes sete? A senhora lembrou da cartolina? Tem que levar cartolina amanhã pra escola. A professora pediu pra senhora passar lá amanhã. A diretora mandou esse bilhete aqui ó. Faz macarrão pro jantar? Me dá dinheiro pra eu ir ao parque? A senhora sempre diz que não tem dinheiro. Não coloca muito em cima, tá doendo, isso arde. A senhora não manda em mim. Vou contar pro meu pai. Por que o papai nunca me leva? Por que o papai nunca fica em casa? Por que o papai não veio com a gente? Por que o papai não ajuda a senhora a pagar? Posso ficar com ele? Por favor, deixa, vai, eu prometo que vou cuidar dele. Não quero ir pra escola hoje, tô com dor de barriga. Não é manha, juro. Por favor, deixa eu ficar em casa hoje? A professora mandou meu boletim pra senhora ver. Posso tomar um sorvete? Posso ir brincar na rua? Mas na chuva é mais legal. Deixa, vai. Não vou gripar, não. Deixa eu dormir na sua cama? Tive um pesadelo. Deixa a luz acesa? Tá doendo aqui ó, bem no meio. Odeio esse cheiro de Vick. Não quero tomar esse xarope, tem gosto amargo. Deixa eu ir brincar na rua? Já tô melhor, nem estou tossindo mais. A culpa foi do filho dela, ele começou a briga. A senhora só me coloca de castigo, é sempre assim. Me ajuda a fazer o dever? A senhora tá triste? Fica assim não, eu tô aqui. A senhora volta quando? Por que não deixa eu ir também? Seu trabalho é chato. Quer brincar comigo? Vamos à praia? Olha, um caranguejo! Tô com sede, traz água pra mim? Tem bolo de chocolate? Posso fazer uma festinha do pijama aqui? Deixa, vai, a gente não vai bagunçar, prometo. A senhora lembrou de comprar o papel crepom e os lápis de cor? Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu. Acho que tô com dor de garganta. Não quero tomar injeção na bunda. Não quero dormir agora, deixa eu ver mais um pouco de televisão? Deixa a luz acesa? Olha, um vaga-lume! Não tô com sono ainda. A senhora é muito chata. Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a Piedade Divina, sempre me rege, me guarda, me governa, me ilumina, amém. Boa noite, mãe, te amo.

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Taylane Cruz cresceu em Capela/SE e atualmente vive na capital, Aracaju. Escritora e jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe, é autora de três livros de contos e do livro de crônicas “Para a hora do coração na mão” (Penalux, 2021). Colaborou com várias antologias pelo país, atua ainda como palestrante e ministra oficinas de escrita criativa. É membro da Academia de Letras de Aracaju. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras.