Alguém dizer-se poeta já teve melhor resultado em outras épocas – especialmente naquelas em que havia poesia.

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Aos oitenta, se você se lembrar ainda dos ideais de sua juventude, talvez seja mais um desses casos  de nostalgia ou falta de maturidade.

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A molecona, já versada na brincadeira, fica nua e pergunta ao inocente guri: você trouxe o bisturi?

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No escuro as duas amigas se dão e, para vencer o medo, uma diz à outra meu Pedro e a outra responde meu João.

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Numa frase, bem no meio dela, ratimbum!, explode uma onomatopeia.

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Um quero-quero são duas vontades ligadas por um hífen e movidas por duas asas.

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 Preciso parar de ter pena de mim. Faz trinta anos que comecei com isso, e já nem lembro por quê.

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Imagino Ava Gardner com um copo na mão, mexendo languidamente as pedrinhas de gelo com o mindinho da outra, e penso que, se ela não fez isso em nenhum dos seus filmes, onde os diretores estavam com a cabeça?

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Para muitos, basta um apenas. Eu, pobre de mim, precisarei de quantos mecenas?

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Seria ótimo se o estilo, assim como a casa própria, pudesse ser adquirido com uma pequena entrada e oitenta prestações mensais.

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Não sou dado a filosofias. O que tenho de mais profundo é esta tristeza.

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Fantasmas ingleses – não todos, mas a maioria – têm três séculos de garantia.

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Era um fantasma comunicativo. Ficou na casa um mês e, quando foi embora, até o papagaio falava inglês.

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Os personagens de Shakespeare, com exceção dos cavalos, seriam hoje todos tratados com medicamentos de tarja preta.

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Nas novelas policiais, às vezes há mais mortos do que personagens.

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Um chato, quando dá de ser poeta, costuma se especializar em odes e epopeias.

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Chato é aquele tipo que nos pede o lenço emprestado para uma assoadinha

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E há aquele chato que nunca vai a lugar algum sem o irmão gêmeo.

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.