Alguém dizer-se poeta já teve melhor resultado em outras épocas – especialmente naquelas em que havia poesia.
***
Aos oitenta, se você se lembrar ainda dos ideais de sua juventude, talvez seja mais um desses casos de nostalgia ou falta de maturidade.
***
A molecona, já versada na brincadeira, fica nua e pergunta ao inocente guri: você trouxe o bisturi?
***
No escuro as duas amigas se dão e, para vencer o medo, uma diz à outra meu Pedro e a outra responde meu João.
***
Numa frase, bem no meio dela, ratimbum!, explode uma onomatopeia.
***
Um quero-quero são duas vontades ligadas por um hífen e movidas por duas asas.
***
Preciso parar de ter pena de mim. Faz trinta anos que comecei com isso, e já nem lembro por quê.
***
Imagino Ava Gardner com um copo na mão, mexendo languidamente as pedrinhas de gelo com o mindinho da outra, e penso que, se ela não fez isso em nenhum dos seus filmes, onde os diretores estavam com a cabeça?
***
Para muitos, basta um apenas. Eu, pobre de mim, precisarei de quantos mecenas?
***
Seria ótimo se o estilo, assim como a casa própria, pudesse ser adquirido com uma pequena entrada e oitenta prestações mensais.
***
Não sou dado a filosofias. O que tenho de mais profundo é esta tristeza.
***
Fantasmas ingleses – não todos, mas a maioria – têm três séculos de garantia.
***
Era um fantasma comunicativo. Ficou na casa um mês e, quando foi embora, até o papagaio falava inglês.
***
Os personagens de Shakespeare, com exceção dos cavalos, seriam hoje todos tratados com medicamentos de tarja preta.
***
Nas novelas policiais, às vezes há mais mortos do que personagens.
***
Um chato, quando dá de ser poeta, costuma se especializar em odes e epopeias.
***
Chato é aquele tipo que nos pede o lenço emprestado para uma assoadinha
***
E há aquele chato que nunca vai a lugar algum sem o irmão gêmeo.
_________
* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Bom dia Raul! Hoje, logo pela manhã reencontrei você e me deliciei! O espírito dormente ,egoista e parcimonioso, ressuscitou! A todo vapor e abrangente no tempo e espaço, voltou com força e espírito ao qual traço loas e agradeço! Recebi uma injeção de ânimo e das mais agradáveis ! Grata! Abraços.
Mariza, fazem-me sempre bem suas palavras. Como é bom saber que ainda há pessoas sensíveis e gentis. Como me confortam certas manifestações. Que eu possa continuar escrevendo coisas que lhe agradem em 2020. Abraços.
Passando para renovar minha admiração.
Um bom ano, poeta!
Tiago, como eu lhe agradeço. Continuemos fazendo crônicas. Ainda há quem goste delas. Você é um cronista genuíno. Eu sou um poeta infiltrado, tentando disfarçar minha incapacidade. Bom ano, meu caro.