É um nó no peito todo dia. Palavra curta, que puxa pra dentro e trava na garganta. Sentimento de aspereza universal. É o pesadelo da lama no sono mal dormido das famílias de Santa Bárbara. É a caça por esporte, o grande desmonte autorizado, leilão de terras, leilão de águas, um monte de frutas e folhas gordas criadas em agrotóxico, em três meses mais de quinhentos milhões de abelhas mortas. É uma chuva de balas disparadas dos helicópteros, chave de braço nas ruas, nos bares, dentro das casas, epidemia de dengue e de suicídio. É um boçal no poder gastando um país como quem ganhou na loteria, é o blá-blá-blá da meritocracia, tragédia com data marcada, uma agenda de calamidades, uma gente lunática emendando e remendando a lei, o dito que fica por não dito e a vontade de matar multiplicada por vinte. É uma gente orgulhosa da própria selvageria, profissional em causar medo, uma fileira de dezenove cabeças de onça sem corpo no Pará, incêndio na escola dos Pankararu, tiros contra os Guarani-Kaiowá, ameaças de morte aos Yaminawá. E no meio desse atoleiro todo, uma notícia de longe, que soa como fábula, de um ex-caçador na ilha de Sumatra, hoje guarda florestal, que um dia ouviu o choro do pássaro calau e teve vergonha do que fazia. Um ex-caçador desde que ouviu o choro do calau que não morria, quatro vezes atingido e não morria. Mas qual pássaro, se chorasse, nos envergonharia? A ararinha azul é que já não pode ser, que a ararinha azul já está extinta no Brasil.
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* Mariana Ianelli é escritora, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora dos livros de poesia Trajetória de antes (1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005 – finalista dos prêmios Jabuti e Bravo! Prime de Cultura 2006), Almádena (2007 – finalista do prêmio Jabuti 2008), Treva alvorada(2010) e O amor e depois (2012 – finalista do prêmio Jabuti 2013), todos pela editora Iluminuras. Como ensaísta, é autora de Alberto Pucheu por Mariana Ianelli, da coleção Ciranda da Poesia (ed. UERJ, 2013). Estreou na prosa com o livro de crônicas Breves anotações sobre um tigre (ed. ardotempo, 2013). Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos sábados.
Os poetas são uma espécie de passarinho. Eu acredito que quando cantam (escrevem) levam esperanças aos pássaros.
O horror! O horror!
Até onde, vamos? Nossa! Parabéns, Mari