Você aí, na dúvida se leva casaco ou não, se pede pastel ou empadinha, se começa a barba pelo lado esquerdo ou pelo bigode, se deixou os óculos no banheiro ou na copa; e ele vindo: já se desvencilhou de Andrômeda.

Você aí, irritada porque está atrasada para o trabalho e o farol fechou bem na sua cara, ontem mesmo sua chefe chamou sua atenção para o horário; e não há sinal vermelho, nem caminhão quebrado ou greve dos bancários que detenha o avanço do maldito.

Você, incomodado com sua barriga, que prospera todo fim do ano, sem reparar pela janela uma nova estrela crescer mais e mais, a cada hora.

Que se sente injustiçada porque o aumento não saiu, a loteria não deu, não chegou o elogio, o ônibus veio mas passou direto pelo ponto, desgovernado feito esse meteoro sem vida que, não satisfeito, ainda quer acabar com a vida dos outros.

Magoado porque seu trabalho foi recusado, porque disseram que seu cabelo está ridículo, porque o marido esqueceu seu aniversário, porque o tratante não devolve o livro, e nada disso vai importar daqui a muito pouco.

Querendo saber como anda aquela sumida, onde foi parar, sem saber onde procurar, se deve procurar e, se o fizesse por um telescópio, veria algo tão mais dolorido.

Você aí, reclamando na passeata, você aí, reclamando da passeata, e não há tropa de choque ou gás lacrimogêneo que possa deter o Apocalipse.

Você aí, estudante, aflita com a prova para a qual não estudou direito, preocupada em passar de ano, mas não haverá próximo ano; palerma que deixou o amor escapar, bêbado que vê a ameaça das duas luas, e você, chateada porque depois de tantos anos, não viveu o suficiente para ver o Collor ser preso.

O padre se convertendo ao desespero, o monge, suplicando aos orixás, o suicida, sentindo-se traído, o bombeiro, inútil, o economista, mais pessimista que nunca e só a menina ruiva achando a nova estrela tão linda.

E o garçom que, antes de sair correndo, larga na mesa o último frango a passarinho empapado em gordura, porque o cozinheiro deixou tudo e fugiu antes, enquanto você discute religião na mesa do bar, não porque quer provar tese alguma, quer só que a prosa se estenda enquanto tiver cerveja – até porque, você podia muito bem estar defendendo a posição contrária. Mesmo quando o argumento segue uma lógica tortuosa, ao invés dessa rota, que não conhece descaminhos, vem direto em nossa direção.

Você aí, que até hoje se chamava Alcides, Moacir, Sandra, Noêmia, que escovou inutilmente os dentes, marcou retorno no médico, olha desconsolado para seus filhos tentando decidir a última coisa a fazer: rezar ou comer um último pote de Nutella.

O meteoro, a vinte e sete mil quilômetros por hora, já avista o Sol. E você aí, assistindo ao Concurso de Miss.

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* Cássio Zanatta é cronista. Já foi revisor, redator, diretor de criação, vice-presidente de criação e voltou a fazer o que sabe (ou acha que sabe): redatar. É natural de São José do Rio Pardo, SP, o que explica muita coisa.  Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças-feiras.