(Imagem: Bernardo Ceccantini)

Guilherme Tauil*

Os moradores da Vila Buarque, em São Paulo, já se acostumaram ao canto dos sabiás de madrugada, quando não é necessário competir com o barulho da metrópole. Mas há uma nova espécie se manifestando na calada da noite. Diariamente, tem causado estranhamento com seu grito solitário, entoado mais ou menos assim: “foooraaa, Teeemeeer”.

É por volta das três da matina que esse persistente rebelde solta o gogó, abafando o chilrear das aves. Como os sabiás, que às vezes variam o canto repetindo algumas notas soltas, há madrugadas em que complementa seu berro com um rabicho sonoro: “golpiiistaaa”.

Nunca consegui flagrá-lo da janela do meu quarto. Mas sou capaz de identificar alguns notívagos que, em solidariedade à criatura, ecoam o seu brado. Se são fêmeas respondendo ao galanteio ou machos acirrando a disputa, não sei. Até porque o fenômeno não leva mais do que vinte, trinta segundos. E depois tudo volta à normalidade. É como se o ser soubesse que é necessário devolver aos sabiás a madrugada. Que seu momento precisa ser breve. Breve, mas renitente. Como uma torneira que pinga, pinga, pinga. Até que se perca a paciência. Até que não seja mais preciso gritar.

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* Guilherme Tauil é cronista e editor da Zepelim, casa focada na publicação da crônica contemporânea. Formado em Letras pela USP, é autor de “Sobreviventes do verão”, compilação de crônicas escritas para a imprensa de Taubaté. Mantém o blog quartacapa.com e o maior acervo digital sobre Chico Buarque, o youtube.com/tauil. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças.