Raul Drewnick*
Deitar-me sobre ti com os quarenta graus de minha febre amorosa e despejar a lava com a fúria que merece teu corpo renitente.
***
Quase me envergonho da reverência que eu tinha até nos sonhos e que me impedia de ir além dos beijos, mesmo quando mordiscavas minha orelha e me dizias vem.
***
Ah, meu amor, ah, meu amor, ela me dizia, beijando-me nos olhos para consolar-me, enquanto eu, sórdido, aproveitava para deslizar minha mão pela sua coxa gorda.
***
Hoje só sexo, ela dizia, e ele punha de volta no bolso os versos, amuado.
***
Agora que os dois dormem, o sol entra no quarto, insinua-se no lençol e deita-se sobre a mulher, como se o homem, inábil, tivesse deixado algo por fazer.
***
O amor é como o assassino das novelas policiais. Muito mais hábil, porém. Inútil será tentar encontrar com ele um punhal, um revólver, uma agulha envenenada. São outras suas armas: o modo de passar os dedos entre os cabelos, para aguçar-lhes o ouro, o jeito de molhar as sílabas ao dizer palavras como paixão, a forma de nos olhar como se os olhos fossem dois lobos famintos.
***
Com o travesseiro entre as coxas, ela anseia pelo momento em que ele chegará, se deitará sobre o seu corpo, se encaixará ali dentro dela e irá se movendo de modo a extrair dela, e da cama, aqueles guinchos ritmados que sempre lhe parecem as sílabas de uma virgem gemendo a história de sua primeira noite de amor.
***
Ali nas costas, onde a cachoeira de cabelos flamejantes termina, começa um território pelo qual a mão desce devagar, para usufruir mais completamente o instante em que uma elevação repentina a faz segurar o fôlego até que a descida, agora vertiginosa, seja enfim a recompensa para todas as madrugadas de febre e os sonhos mais desvairados.
***
Sempre que se lembra de como, avançando centímetro a centímetro, chegou enfim ao suave tufo ruivo e úmido, ele custa a acreditar que tenha feito isso mesmo, naquela noite. E, quando se convence, ele, com uma tristeza aguda, começa a se perguntar por que tirou a mão dali, da relva sedosa onde seus dedos, na escuridão do quarto, pareciam tocados pela benevolência do ouro.
***
Como te cresce majestosa a relva, e macia, mesmo regada por tua água salina.
***
Só se deixa tocar por homens normais. Receia os poetas. Disseram-lhe que uma perversão deles consiste em, no meio dos atos amorosos, introduzir nas mulheres estrelas que se recusam a sair de dentro delas e se põem a brilhar indiscretamente, mesmo durante o dia.
***
Te calharia melhor outra garota. Somente outra mulher se arrepiaria na dose certa com tua voz de fumo e conhaque.
***
Gostaria de tê-la visto nua ao menos uma vez. Tem certeza de que acharia perfeito seu corpo, assim como achou dócil sua alma cruel.
__________
* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Deliciosa leitura num todo, cada qual com sua graça, poesia,irreverência, paixão, difícil escolher entretanto me deliciei soberbamente que até incorporei a personagem banhada, acariciada , aquecida, invadida em sua lânguida nudez pelo galante sedutor, o sol tão seguro de si que ousou invadir e possuir, depois de brincar, deslizar e esquentar indiferente ao cansaço do guerreiro dormente! Abraços Mariza C.C. Cezar
Fogachos no escuro. Ardemos nós. Viva, Raul!
Muito bom, Raul! Até os comentários aí parecem inspirados por seu talento. Mais, mais!
Mariza, o sol é o maior “voyeur” que se conhece. Com aquela cara de santo e de amante da natureza… Mariana, quantas histórias contaria o criado-mudo, se conseguíssemos fazê-lo falar. Luiz Carlos, acho que a visão do Fi seria um pouco mais “caliente”. O Fi é partidário do amor com resultados, pelo que lembro. Esperando sua nova peça, meu caro.