Raul Drewnick*

Deitar-me sobre ti com os quarenta graus de minha febre amorosa e despejar a lava com a fúria que merece teu corpo renitente.

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Quase me envergonho da reverência que eu tinha até nos sonhos e que me impedia de ir além dos beijos, mesmo quando mordiscavas minha orelha e me dizias vem.

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Ah, meu amor, ah, meu amor, ela me dizia, beijando-me nos olhos para consolar-me, enquanto eu, sórdido, aproveitava para deslizar minha mão pela sua coxa gorda.

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Hoje só sexo, ela dizia, e ele punha de volta no bolso os versos, amuado.

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Agora que os dois dormem, o sol entra no quarto, insinua-se no lençol e deita-se sobre a mulher, como se o homem, inábil, tivesse deixado algo por fazer.

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O amor é como o assassino das novelas policiais. Muito mais hábil, porém. Inútil será tentar encontrar com ele um punhal, um revólver, uma agulha envenenada. São outras suas armas: o modo de passar os dedos entre os cabelos, para aguçar-lhes o ouro, o jeito de molhar as sílabas ao dizer palavras como paixão, a forma de nos olhar como se os olhos fossem dois lobos famintos.

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Com o travesseiro entre as coxas, ela anseia pelo momento em que ele chegará, se deitará sobre o seu corpo, se encaixará ali dentro dela e irá se movendo de modo a extrair dela, e da cama, aqueles guinchos ritmados que sempre lhe parecem as sílabas de uma virgem gemendo a história de sua primeira noite de amor.

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Ali nas costas, onde a cachoeira de cabelos flamejantes termina, começa um território pelo qual a mão desce devagar, para usufruir mais completamente o instante em que uma elevação repentina a faz segurar o fôlego até que a descida, agora vertiginosa, seja enfim a recompensa para todas as madrugadas de febre e os sonhos mais desvairados.

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Sempre que se lembra de como, avançando centímetro a centímetro, chegou enfim ao suave tufo ruivo e úmido, ele custa a acreditar que tenha feito isso mesmo, naquela noite. E, quando se convence, ele, com uma tristeza aguda, começa a se perguntar por que tirou a mão dali, da relva sedosa onde seus dedos, na escuridão do quarto, pareciam tocados pela benevolência do ouro.

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Como te cresce majestosa a relva, e macia, mesmo regada por tua água salina.

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Só se deixa tocar por homens normais. Receia os poetas. Disseram-lhe que uma perversão deles consiste em, no meio dos atos amorosos, introduzir nas mulheres estrelas que se recusam a sair de dentro delas e se põem a brilhar indiscretamente, mesmo durante o dia.

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Te calharia melhor outra garota. Somente outra mulher se arrepiaria na dose certa com tua voz de fumo e conhaque.

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Gostaria de tê-la visto nua ao menos uma vez. Tem certeza de que acharia perfeito seu corpo, assim como achou dócil sua alma cruel.

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.