Cyro de Mattos*

Arnon Miquiazi, viúvo sem filhos,  sanitarista municipal aposentado, era um homem totalmente  integrado à natureza. Preocupado com as questões ambientais, filiou-se ao Partido Verde. Residia numa casa banhada de luz no verão, situada  no bairro próximo ao pequeno bosque, que ele costumava visitar na semana. Ali ficava  contemplando o ambiente formado de  árvores frondosas, penetradas dos raios solares, que inventavam aranhas de ouro descendo pelos troncos. Encantava-se com plantas e flores. Comovido ficava horas ouvindo o  canto dos passarinhos.

Defensor ferrenho da fauna e flora de nossa Mata Atlântica, desfalcada de maneira vil pelas  agressões seculares do bicho-homem. Tinha uma paixão especial pela onça, rainha dos bichos na selva brasileira, nos últimos anos vítima de matança desenfreada por caçadores inescrupulosos.  Uma lástima.

Vibrou quando descobriu na internet o Resort Olivença Hotel. Fora construído em uma área grande na Costa do Cacau, dentro de um exemplar conceito ecológico. Entre o mar, com suas ondas verdes e azuis,  uma praia belíssima,  e a Mata Atlântica. O Resort Olivença  podia ser considerado como um Éden situado entre o mar e a mata com árvores nativas,  dizia o anúncio que aparecia na internet,  sustentado por um grande mico-leão. Sua  área ecológica era constituída de trilhas temáticas, árvores frutíferas, plantas medicinais, fauna e flora diversificadas, Recanto das Cabras,  Ilha das Araras e  Casa do Tarzan na copa das árvores.

Adversário contumaz do insaciável bicho-homem, o destruidor milenar da natureza,  o funcionário público aposentado aproveitaria os dias que passasse no Resort Olivença para conhecer todos os atrativos naturais do bosque ecológico. Quando deparou na internet com aquele mico-leão risonho,  convidando-o para  passar as festas do final do ano no Resort Olivença, não hesitou e fez a reserva do pacote  para dez dias.  Tratava-se de um hotel que há muito ele sonhava para manter um contato direto e saudável com a Mata Atlântica. Embora tivesse em Brasília o pequeno bosque para visitar quando quisesse,  estava cansado com os ares da cidade, a monotonia de  nuvens cinzentas pesadas quando chegava o inverno, a expansão imobiliária de edifícios que surgiam todos os meses,  enfim, a vida crescendo entre prédios, cada vez mais  movimentada com os carros no asfalto das ruas. Queria ficar alagado de azul só de ver o mar. Ficar molhado com a pureza do  verde só de caminhar nas trilhas por entre árvores nativas da Mata Atlântica. Admirar o mico-leão e, quem sabe, filmar de longe alguma onça, em seus passos macios e ladinos, de preferência a pintada, embora admirasse também a suçuarana e a temível lombo-preto, conhecida como pantera.

No seu primeiro dia como hóspede do Resort Olivença  tudo ia muito bem. Teve  uma surpresa desagradável pela tarde, ao retornar do banho de mar. Foi tirar o sal do corpo no chuveirão externo perto da piscina. Lá estava aquele bicho pesado, corpo achatado, orelhas diminutas, pernas curtas, que nada tinha a ver com o ambiente  da nossa  Mata Atlântica. Controlou-se para não explodir com tanta raiva que concentrou no corpo.

Arrumou a mala. Disse na recepção:

– Ontem à noite cheguei e hoje à noite retorno. Não fico mais aqui nem que minha mãe me peça ajoelhada.

A dona do Resort foi chamada às pressas.  Ela perguntou:

– O senhor foi tratado mal?

– Minha senhora, eu vim de Brasília para encontrar aqui bichos da Mata Atlântica. Bichos vivos,  observou, de cara enfezada. – Podia ser até bicho  em escultura ou no quadro pintado a óleo – prosseguiu -, com o registro educativo ao lado, na tabuleta, informando ao visitante  que  a espécie está  em extinção, se fosse o caso, devendo  ser preservada.

– Isto nós já fazemos com o nosso querido  mico-leão de cara dourada, o mais procurado  aqui  pelos contrabandistas de animais.

– Mas devia fazer também  com a nossa ladina onça, considerada a nossa majestade insubstituível da selva brasileira! – vociferou.

Depois de pagar a conta:

– Colocassem a onça em  uma  escultura digna  e não um hipopótamo junto do chuveirão, aquele  bicho feio, desajeitado,  que nem é do nosso ambiente aquático nem terrestre, vivendo  lá na África na vida que pediu a Deus. Bicho que muito brasileiro nem faz idéia do que ele é,  onde vive  e como faz o coito dentro da água para reproduzir sua espécie.

Completou.

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*Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista e autor de livros para crianças. Conquistou o Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, com o livro “Cancioneiro do Cacau”, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, com “Os Brabos”, contos, e o APCA com “O Menino Camelô”. Finalista do Jabuti três vezes. Tem livros publicados em Portugal, Itália, França e  Alemanha. Distinguido com a Ordem do Mérito da Bahia. Pertence ao Pen Clube do Brasil . Na RUBEM, Cyro de Mattos escreve quinzenalmente às terças-feiras.