Eu era um homem comum. Quis ser Shakespeare, mas foi há muito tempo, quando não sabia que Shakespeare era um deus.

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Aconselhado por um psiquiatra da ala dos otimistas, diz cem vezes, toda manhã, uma frase: “Posso ser tão grande quanto Shakespeare.” Não melhorou a opinião que tem de si próprio, mas a cada dia Shakespeare cai um pouco no seu conceito.

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Os escritores jovens, nós sabemos, se julgam todos superiores a Shakespeare – e é essa a atitude que lhes cabe. Já os veteranos – se não pela idade ao menos por algum presumível juízo -, toda vez que falam dele devem fazê-lo de joelhos, mais reverentes do que se estivessem diante do próprio Deus em seu assento de nuvens,

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Tudo que nos acontece é intolerantemente previsível. Como é enfadonha a vida do homem… Que esforço fez Shakespeare para melhorá-la, com seus príncipes insanos, seus mouros enciumados, seus reis assassinos. Que milagres ele conseguiu, com tão pobre matéria-prima.

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Se você jamais quis ser Shakespeare, você talvez seja sensato demais para ser escritor.

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Frase perfeita é aquela que, mal a escrevemos, parece plágio de Shakespeare.

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Considerava-se um gênio incontestável, inexcedível, único. Sua convicção só se atenuava quando lia Shakespeare. Parou de lê-lo.

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Para ser Shakespeare, eu me acostumaria a tudo: à inveja, às calúnias, e até ao friozinho que deve sentir um morto.

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Se ao que fazia Shakespeare damos o nome de literatura, que nome daremos ao que fazemos nós?

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.