Talvez, assim como aconteceu àquele aluno que estudou um ponto só e calhou de ser justamente esse o que lhe coube no exame final, tenhamos a sorte de, em nosso dia derradeiro, contar com a simpatia do anjo da morte. Ele nos perguntará se sabemos o que é morrer, e nós por nossa parte lhe perguntaremos se morrer é fechar os olhos. Ele nos dirá que sim, que morrer sempre foi somente isso, nos dará parabéns, e de olhos fechados seguiremos o caminho que ele nos apontar.
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Depois de uma época bela, vivemos esta, nefasta. Num dia vem a procela e no outro vem a borrasca.
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Quem hoje sonetos faz, por mais que eles tenham valia, maior sucesso faria se fossem como os fazia o incomparável Luiz Vaz.
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Não quero mais chorar educadamente, civilizadamente. Quero chorar desavergonhadamente, um choro de soluços e de ranho, um choro como aqueles choros torrenciais que choravam os homens de antigamente.
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Ter dedicado a vida inteira à literatura pode indicar que me falta justamente a principal qualidade de um escritor: a imaginação.
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Se você é um escritor de bom coração, não coloque na mesma oração um gato e um passarinho.
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Vive hoje metodicamente, gasta seus advérbios de modo economicamente. Um pouquinho de manhã, um tantinho à tarde, à noite mais um bocadinho e, livre das aspirações de glória de antigamente, dorme longa, despreocupada e gostosamente.
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O que mais lastimou o poeta parnasiano quando a mulher o deixou foi nunca mais poder contemplar a fluência e o ritmo de seus passos, perfeitos como um alexandrino.
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Esplêndido dia! Nós não merecemos tão completa alegria. O mar já nos chama e a vida convida o sol a brilhar.
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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Parabéns pelo texto! Me lembro de um texto que tinha um gato e um passarinho.
Talvez seja um no qual eu recomendava aos escritores que tivessem piedade e jamais colocassem na mesma frase um gato e um passarinho…
Adorei a do gato com (sem) passarinho – apesar de já ter desobecido a essa recomendação – e a dos advérbios 🙂
Yvonne, tenho uns trezentos textos sobre gatos – número pequeno, para tanta admiração.