(Imagem: Átila Roque)
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Patinho feio da literatura, a crônica é de leitura leve, ainda que nem sempre o assunto de que ela trata seja ameno. Surgida nos jornais, num cantinho rodeado de notícias sangrentas ou muito importantes, essas que falam dos rumos do país e até do mundo, a crônica, para sobreviver, fez-se sedutora. Conseguir um leitor não é tarefa fácil, daí a opção pela sutileza (contra as certezas brutas dos vizinhos), pela linguagem polida (contra o texto prolixo) e até pelo assobio (em clara tentativa de falar com os pássaros, pelo menos com eles).
Ao contrário da poesia, do romance, do conto ou do ensaio, a crônica busca o leitor em vez de ser procurada por ele. Explica-se assim o seu jeito atirado, mas nem de longe vulgar. A crônica é, por estratégia de sobrevivência, sensual, ainda que não fique claro se sua sensualidade é feminina ou masculina ou, o que parece mais apropriado, masculina e feminina. Digo que é sensual, mas é preciso dizer que é uma sensualidade que não está diretamente ligada ao ato sexual. Em vez da carícia preliminar, a crônica é aquele telefonema no meio da tarde para dizer que vai se atrasar, são as roupas íntimas que, lavadas durante o banho, ficam esquecidas no box, é a mão que toma a outra durante a sessão de cinema.
Talvez por ser tão comezinha, a crônica cuide dos assuntos comezinhos. Ou dê tratamento comezinho a qualquer assunto. Uma superpotência invade um país, a crônica não se mete com as questões geopolíticas, com os interesses econômicos envolvidos. Sua preocupação é com as mães que esperam os filhos enquanto as bombas caem pelo caminho, com o filho que espera o pai, com o pai que espera a mulher. A crônica é guardiã da delicadeza, talvez por isso seja o suprassumo da política.
Apesar de ser aliada dos que estão à margem do poder, a crônica não fala de sua indignação apenas em tom severo e tristonho. É encrenqueira, escrachada, hilária; claro, quando quer, porque não aceita ordens, enquadramentos, leis, horários, limites. Nisso, não se difere da literatura ou das artes de modo geral. Quando a crônica se curva e aceita limites que lhe são impostos, ela não vai além de uma lenga-lenga saída das mãos de um canalha.
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* Alexandre Brandão é autor, entre outros, de “O bichano experimental” (Editora Patuá, 2017), uma seleção de suas crônicas, algumas publicadas aqui na RUBEM, e de “Qual é, solidão?” (Editora Oito e Meio, 2014). Além de escrever crônicas no CNP Notícias, jornal de sua cidade natal, Passos (MG), tem contos e crônicas publicados em revistas eletrônicas como Pessoa, Cruviana e Germina e na InComunidade (de Portugal). Participa do grupo Estilingues (www.facebook.com/estilingues), que publica livros de contos para circular fora do círculo comercial. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Espetacular. Como cronista, fiquei orgulhoso até do “canalha”. Gosto muito da definição do Mestre, que dá nome a esta revista digital: “Se não é aguda, é crônica”.
Que legal, mandou muito bem! E por falar em suprassumo… hehehe… abração
Ótima descrição do que é uma crônica, o patinho feio da literatura que na mão de craques como você vira um lindo cisne.
Cássio, Marcão e Sérgio, obrigado pela leitura. Fico feliz por vocês terem.curtido essa crônica que foi feita com alegria e um pouco de medo.
Belíssimas metáforas.
A gente arrisca, né, editor?
Uau! Mais uma sua para eu pedir: posso ler (recomendar) para os cronistas da Santa Sede? Parapenz, Xandão!
Ô, eu é nas nuvens por saber que estou lá naquela mesa.
Maravilha de definição sobre o que é a crônica. É tudo isso e muito mais. Seu belo texto é prova do que falo. Adoro ler e escrever crônicas. É claro que ainda sou aprendiz ao lado de vocês que são feras mas, vamos aprendendo cada dia um pouco mais. Abraço
Obrigado, Roseli. A crônica é mesmo um espanto, sempre há um ângulo novo para olhar pra ela, entendê-la, saboreá-la. E escreva bastante, precisamos de cronistas.
Guardiã da delicadeza. Sim, Alexandre, sim.
Que bom que você que faz tantas crônicas carregado de delicadeza veja assim também.
… faz tantas crônicas carregadas de delicadeza….