Raul Drewnick*
Gosto dos humoristas atuais, embora ache que lhes falta um pouco de seriedade.
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Eu apreciaria escrever como se fosse um avô batendo pregos na madeira para fazer diante dos maravilhados olhos do neto a casinha de um cachorro que a ocupará quando Papai Noel o trouxer.
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Depois que se vai a ilusão da obra-prima, vai-se todo o resto. Trabalha-se, trabalha-se, mas nada além disso. Trabalha-se. É triste trabalhar assim.
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Toda vez que passo pela estante, imagino o que estará comentando o velho Machado com suas vírgulas ali em cima, na letra A. Nunca lhe pergunto. O mestre anda casmurro. Deve ser alguma querela literária com o vizinho Alencar.
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Morrer é só um desfalecimento da memória.
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O amor é persistente como um agouro, exasperante como um pecado e persistente como uma maldição.
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Deixai passar, deixai correr, deixai findar, deixai morrer.
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Se um poeta se recusar a falar do amor, pode-se louvar sua ousadia, mas deve-se deplorar sua decisão.
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Para um haicai, uma chuva sempre cai como uma luva.
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Se for o caso de fazeres mau juízo de ti mesmo, convém que o faças antes que outros, com mais sólidos argumentos, venham a fazê-lo.
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Na poesia, muito mais do que na prosa, o essencial não está no que dizer, mas em como dizê-lo. E, às vezes, em dizê-lo sem dizer.
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Até os bocejos, nela, se abriam com a delicada lentidão de um lírio.
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Por artes da ortoépia ou da ortoepia, ninguém mais sabe se fez a assépsia ou a assepsia.
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Não fica nada bem a um homem chorar como um menino órfão ou um bezerro desmamado. Mas como alivia chorar assim, mugir assim lastimosamente.
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Apesar dos esporros, as rimas obstinam-se e engatam-se como cachorros.
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Quem precisa dialogar com a consciência é porque não confia na qualidade dos seus monólogos.
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Se você está decepcionado com a vida, imagine o que ela pensa de você.
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Politicamente correto é uma expressão que cada dia parece mais uma contradição em termos.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Boa tarde, quase boa noite de domingo e hoje a realidade dura do I.R. recebeu prioridade e depois benfazejo, veio você e suas pérolas a suavizar o dia! Hoje e não sei se por cansaço, não ri como sempre mas como sempre me deliciei com suas tiradas. Obrigada caro poeta! Até o próximo. Abraços.
Mariza, posso dizer que tenho escrito para você, o que é muito bom. O IR tira o dinheiro dos poetas – se é que eles o têm – e, agora, lhes subtrai também os leitores. Pobres ovelhas, tão facilmente abocanháveis pelo leão.
Raul, curto sempre! Grande abraço!