Sua principal atividade, agora, é cochilar. Cochila de manhã e à tarde, sentado no sofá. À noite, assim que se deita na cama, o sono lhe vem, generoso. O único pesadelo que tem, com alguma freqüência, é estar cochilando ou dormindo e não ouvir a campainha que a Morte, finalmente disposta a atendê-lo, toca e toca e, cansada, desiste de tocar.
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Ser triste é, mais do que um direito, um dever do poeta.
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Em Romeu e Julieta, cada vez que se topam dez personagens numa praça, morrem onze.
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Reencontraram-se por acaso, cinco anos depois, numa festa. As mãos se apertaram, tão geladas quanto as palavras que por educação mantiveram nos lábios. “Bom te ver”, disse ele, disse ela também, e cada um se esgueirou para um canto do salão, com o rancor magnificamente disfarçado por um sorriso social.
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O amor é sempre aquele assunto que pode nos salvar quando o leitor – e principalmente a leitora – já ameaça abrir o primeiro bocejo.
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Conhecer-te a ti mesmo é tarefa que desempenharás sem muito esforço. Difícil, depois, será te aceitares.
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O amor na velhice é lindo, desde que sejamos só espectadores – e um bocado míopes.
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Eu te agradeço por me matares tão continuadamente, por me manteres tão amorosamente atento à tua crueldade que não tenho tempo sequer para pensar em flores e em estrelas, esses bisonhos objetos de inspiração dos poetas.
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Se ela houvesse me estrangulado naquela manhã, teria usado luvas das quais se livraria imediatamente – não por temer conseqüências criminais, mas por nojo de meu pescoço plebeu.
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Se soubesses o gozo que cada um dos teus elaborados suplícios trouxe à minha carne, morrerias de desgosto. Sinto falta deles, minha querida, e só de lembrá-los minha pele se arrepia, prazerosa.
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Sinto-me como um morto provisório, um defunto em regime de experiência, ainda não autorizado a desfrutar de meu mais desejado direito: o de descansar em paz.
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Já me dei bem melhor com a vida. Era uma época em que ela e eu ainda não estávamos cansados de fingir.
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Tenho cada dia menos pontos em comum comigo. Para reconhecer-me, preciso às vezes buscar meu sorriso no espelho.
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Poemas não têm a obrigação de ser sublimes, mas deveriam ser sempre honestos.
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Quando alguém diz ser um mártir da literatura, deve-se, por amor à justiça, pensar no princípio da reciprocidade.
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Eram belos seus olhos verdes. Garantiam-lhe sempre bons começos e eram depois uma agradável lembrança para as mulheres quando elas percebiam que, além deles, ele não tinha mais nada a oferecer.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Parabéns, Raul. Sua sensibilidade está cada vez mais afiada.
“Quando alguém diz ser um mártir da literatura, deve-se, por amor à justiça, pensar no princípio da reciprocidade”.
Rindo muito!
“O amor na velhice é lindo, desde que sejamos só espectadores” hilariantemente triste mas muito real! Estou me tornando terrivelmente repetitiva ao dizer do quanto você desperta meus dormentes sorrisos e por vezes gargalhadas! Felizes manhãs domingueiras em companhia de suas pérolas! Um ótimo domingo para você também! Abraços!
Nelson, meu caro, sua amizade é que anda cada vez mais generosa; Henrique, a literatura, como se diz, tem os ombros largos. Mariza, tomara que eu continue provocando bons sentimentos em você. Às vezes eu me sinto tão inútil… Bom domingo
Escrever uma crônica é uma bela forma de fingir junto com a vida.
Boa definição. Curtinha, mas ali no ponto!
Ri muito também do mártir e sua reciprocidade, essa pérola devia ir na contracapa dos originais em busca de editores, como prova de humildade. Podia ir na contracapa dos livros publicados também, da mesma forma. Abração!
Abração, Marco! A literatura deve andar sempre com as orelhas em chamas, de tanto que reclamamos dela!