(Imagem: Bendita Luz)

Marco Antonio Martire*

Caminho a sós pela rua, tomado pelo espírito olímpico, enquanto ao meu lado percebo uma mulher curtindo seus fones de ouvido. Ela ouve música às sete da noite e tenta ignorar as inúmeras preocupações que a rua impõe ao pedestre. Não se entrega à barafunda de ruídos, prefere uma bela canção e se esquiva do mundo, preenche sua atmosfera pessoal com uma trilha sonora previamente estabelecida, para que suas músicas ordenem esta ou aquela emoção. Firma seus incríveis interesses enquanto caminha altiva, mergulha em si mesma, encara apenas minimamente a parte do universo da qual não pode escapar, esta nossa rua, é necessário chegar em casa.

Passa por nós um rapaz com o celular nas mãos e minha imaginação conclui que está caçando pokemóns. Faço a comparação: assim como ela, nosso caçador também mergulha isolado em outro universo, o seu universo virtual, ignorando a rua, os carros, os pedestres.

Quem está certo?, eu me pergunto, sem almejar resposta. O que é bom na calçada repleta de sons e imagens dispensáveis? Desconhecidos, roncos de motores, conversas alheias e súplicas de pedintes? Meu mundo é esse, mas outros dois seres curiosos me interessam e vivem. Uma ouve música, outro caça pokemóns. Eu caminho e não quero escapatória, minha escolha é a rua que chamamos de real.

Talvez fosse bom também procurar uma estação de rádio e entregar a leitura de meu dia a um locutor preocupado em atender aos interesses do público e dos patrocinadores. Não sei montar uma lista de músicas, sou completamente ignorante e as novas canções fogem de mim, comigo ficam sempre as mesmas.

Ao caçador de pokemóns só posso proclamar nossa diferença. Este Rio olímpico que o pariu, pariu também a mim, e esta crônica anuncia que somos personagens da mesma história afinal. Somos colegas.

Somos colegas que se encontram aqui na interseção de nossos dois universos, somos personagens que interagem através destas linhas, desta visão que nós temos do caçador de pokemóns, da visão que ele tem de uma imagem caçoando de sua competência na tela do celular.

Enquanto isso, nas arenas cariocas, os atletas disputam medalhas e espalham o querido espírito olímpico. O Rio de Janeiro vive dias intensos, os atletas competem nos campos, nas piscinas, nas pistas. Os atletas um dia também escolheram essa vida: por à prova sua capacidade física contra outros, seu corpo real, no mundo real, quem será ouro no fim?

Ninguém sabe. Ninguém sabe nem mesmo o que é esse estranho ouro metafísico. Temos duas ou três respeitáveis teorias, uns cuidam do corpo, uns ouvem música, uns caçam pokemóns. Eu tento fazer o pouco que sei. Persigo esta superstição: estamos todos ligados.

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Marco Antonio Martire é carioca, formado em Comunicação pela UFRJ. Publicou os contos de “Capoeira angola mandou chamar”, a novela “Cara preta no mato” (ebook) e participou como autor das coletâneas de contos “Clube da Leitura – volume III” e “Escritor Profissional – volume 1”, ambas pela Editora Oito e Meio. É membro do Clube da Leitura, coletivo que organiza eventos de leitura e criação no Rio de Janeiro. Escreve na RUBEM quinzenalmente às quartas-feiras.