Rubem Penz*
O politicamente correto é um sutiã cuja presilha não abre, exigindo desculpas por tamanha inabilidade ao invés de arrancá-lo logo e de uma vez. Politicamente correta é a comida de hospital – saúde divorciada do prazer. Politicamente correto é mãe que não deixa o filho sujar os pés, mãos ou cabelo, pois, onde já se viu? Pode ficar doente… E os outros, o que vão pensar?!
O politicamente correto é máscara de louça para o preconceito.
Politicamente correto é a censura prévia disfarçada de escudo. No fundo, bem no fundo, a pessoa fica tolhida, desconfiada, com medo de ferir os outros e, com isso, acabar ferida de volta. Politicamente correto é camisinha de força para a língua, pois só pode ser loucura chamar um negro de negro, alemão de alemão, gordo de gordo e manco de manco.
Politicamente correto é focinheira em todos os cães.
O politicamente correto é descrito nas letras em miniatura do contrato, aquelas feitas para condenar quando for vantagem para outros, desvantagem para você. Politicamente correto é sepultamento dos vivos. É a morte da malandragem, é o suicídio dos humorados, é a redenção dos covardes, é a vingança dos recalcados. O politicamente correto é uma faca cega, pois não merecemos o manejo de palavras afiadas.
O politicamente correto rebatiza os filhos para ver se ficam mais bonitos.
Politicamente correto é existir grades no paraíso. É passear em ordem unida, é contrição sem arrependimento. Politicamente correto é garantia de úlceras para o futuro, pois ninguém consegue rodar com os freios de mão puxados sem consequências.
Politicamente correto é toque de recolher.
Politicamente correto é aquele modorrento 0 X 0 que espanta o público, é coito interrompido, é manha, fita, choro sem lágrima. Politicamente correto é não poder tomar chuva, nem mesmo no verão. É aquário, gaiola e canil. É esconder o rosto achando que, assim, desaparecemos.
Politicamente correto é fumei, mas não traguei.
O politicamente correto é, dizem, uma tendência que veio para ficar. É mais civilizado. Mais cordato. Amistoso, suave, palatável. É algo que está tomando conta de tudo e formando uma geração que, agindo e reagindo assim, acreditará estar mais protegida das maldades do mundo. Eu discordo do politicamente correto e o combato enquanto nadar contra a corrente não for crime. Mais do que garantir o direito de eu mesmo ser irônico, mordaz, chulo ou ferino, defendo que meus filhos e netos sejam capazes de suportar contrariedades, provocações, desgostos, frustrações – agressões! – e assim se defenderem.
Politicamente correto é ministrar tranquilizante para quem deveria estar alerta.
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* Rubem Penz, porto-alegrense de 1964, é publicitário, escritor e músico. Produz crônicas semanais desde 2003, inicialmente publicadas apenas na internet e, depois, em veículos do Brasil e exterior. Seu livro o Ano pela Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Atualmente é cronista do jornal Metro Porto Alegre. Desde 2008 ministra oficinas de crônicas em sua cidade natal, com destaque para a oficina Santa Sede – crônicas de botequim, que já alcança a quarta antologia. Em RUBEM escreve quinzenalmente às sextas-feiras.
E tá tudo dito. E bem dito.
Grato, Alexandre!
RECADO DE GELADEIRA:
Bom dia, filha amada.
Mamãe te adora! Exatamente assim, do jeitinho que você é. Saiba.
Posso dar uma sugestão, quanto àquele ‘probleminha’?
Quebra o piano na cabeça dele!
Simbolicamente, claro. Tenha dó do piano.
Ele não merece o estrago. Confie em mim.
Beijo,
Auri
Bárbaro!
Criticar e reclamar da busca pelo comportamento e linguajar politicamente correto é admitir ser incapaz de seguir civilizando-se. Então como não consigo, não quero, crítico tudo. Cultura de Poliana para os outros, para mim tolerância e usucapiao com os anacrônicos costumes.
Luísa, sou civilizado. E cordato. Quase poliano. Admito que o politicamente correto veio para ficar. Só temo, e muito, que estejamos tão acorrentados por ele a ponto de morrer de medo de ferir suscetibilidades. Cito Paulo Mendes Campos: “Se somos mentira, hipocrisia, preconceito, amor, medo, fraternidade, coragem e covardia, melhor deixar que a criança se cozinhe e se tempere nesse caldeirão absurdo”.
Muito grato, abração, Rubem
Meu comentário se perdeu. Gostei mesmo do seu texto! Abraços
Obrigado, Mariza! Abração!
Politicamente correto é deixar o futuro repetir o passado.
Já diria Belchior! Valeu, Paulo!
Posso acrescentar? O politicamente correto é o funeral da inteligência. É preciso resistir. Mas a medíocre patrulha tá grande.
“Ministrar tranquilizante para quem deveria estar alerta.” Adorei isso.