Daniel Cariello*
Carnaval? Nunca gostei! Cheio de gente chata pra caramba. Aquele povo sem noção, que fica sorrindo à toa, jogando confete, lançando serpentinas, sabe? Porque uma serpentina daquelas pode fazer mal, disso ninguém fala, né? Vai que bate no olho de um menino. O que que a gente faz? Quem é o culpado?
Aí esses chatos inventam de se fantasiar. Essa gente tem cocô na cabeça, né, só pode ser. O cidadão se veste de mulher! Coloca todos os acessórios, diadema, brincos, colar, top, meia-calça, saia e sapato, se maquia todo e vai pra rua! Se o sujeito ficasse na dele, não incomodasse ninguém, eu até aguentava, juro, aguentava mesmo. Mas aí ele inventa de se juntar a outros delinquentes que também se vestiram de mulher, de Zorro, de Elza, de Pikachu, de Batman, de bailarina, do diabo que o carregue e formam um bloco. O cordão dos idiotas. Saem em bando, azucrinando a vida de quem não tem nada a ver com pierrô e colombina e não faz ideia do que raios venha a ser uma cabrocha.
Pra piorar, porque pode piorar, acredite, pra piorar tem aquela zoeira musical, um bando de gente que acredita ter samba no pé, cada um tamborinando seu tamborim, se achando o novo Naná Vasconcelos, que é outro chato e ainda bem que só existe um. Uma batida no agogô dessa gente jovem reunida é uma marretada na minha cabeça. Por dentro.
Quando eles finalmente acertam dois compassos seguidos, surge o coro, porque a estupidez é coletiva, né? Os burros andam em manada e no carnaval também relincham em sincronia. E ficam zurrando aquelas músicas velhas, aquela goteira sem fim. As mesmas da juventude da minha avó, que aconteceu há tanto tempo que a rainha da bateria era a Dercy Gonçalves. Ala lá ô, mas que calor, olha a cabeleira do Zézé, será que ele gosta de mim, hoje os dois mascarados procuram mamãe eu quero mamar, mande água pra iá iá. Sério, olha o nível da coisa. Tão ruim que nem o Lulu Santos, nem ele!, teve coragem de fazer pot-pourri disso.
E esse bando de animais sai desfilando pelas ruas, atrapalhando o trânsito, causando transtorno em quem precisa ir à padaria, à farmácia, ao banco, essas coisas do dia-a-dia que não dá pra parar só porque a Turma do Chaves está colocando o bloco na rua.
Carnaval é essa falta de respeito com o cidadão. Não sou obrigado a aguentar alegria e barulho, atrapalham a televisão. Outro dia tinha uns jovens ensaiando aqui embaixo e eu não consegui escutar a voz da menina no concurso de cantores pirralhos. A Ivete virou pra ela e eu fiquei sem saber por quê. E agora, quem vai pagar por isso, hein?
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Essa crônica foi inspirada na marchinha Seu Funéreo, composta por Pedro Cariello em protesto contra a intransigente lei do silêncio que vem sufocando as nossas cidades até no carnaval. Você pode (e deve) escutá-la aqui:
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Daniel Cariello já foi office-boy, guitarrista e tecladista em banda de rock, publicitário, jornalista e escritor, além de cronista para veículos como Le Monde Diplomatique online, Meia Um e Veja Brasília. Lançou dois livros de crônicas pelo selo Longe, do qual é um dos criadores. Colabora com a RUBEM às 5ª feiras.
Daniel, adorei a crônica. Mas, de verdade, a marchinha está espetacular! Ainda não escolhi o que mais gostei, se dos solos do trombone ou se do bustiê do barbudinho… Abração, Rubem (skindô, skindô – lembrando Geraldão)
Daniel Carriello, no começo mesmo não gostando de carnaval de rua, preferido os antigos de salões em que muito, mas muito mesmo me diverti desde criancinha até a idade adulta, brincando enquanto deu nas 03 matines e 04 noites, e sempre fantasiada, geralmente uma para cada noite, pois o não repetir fantasia, vestir o personagem e cair na folia, sempre foi religião compartilhada com a família e herdada dos ancestrais, estava achando o “Seu Funéreo” chatíssimo! Eta cara sem sal! Sem vida, desmancha prazer!Cheguei a me perguntar o que o cronista estava pretendendo! Continuei a leitura mais para ver aonde iria dar e…. então me deliciei! E quando ouvi a marchinha então me empolguei e fui até o You Tube, não resisti e a música foi compartilhada com alguns amigos lá no face, vamos dar o nosso grito de carnaval! Olha que o seu “SEU FUNÉREO” foi convincente e despertou até andagonismo! kakakakaka! Abraços, Mariza C.C. Cezar
Perdão,” Antagonismo” a título de correção.Obrigada, Mariza
Obrigado, Rubem e Mariza.
Rubem, a marchinha é demais mesmo. Pedro é meu irmão, grande cara e excelente compositor. Junto com outros artistas, eles vêm resistindo ao encaretamento de Brasília (e, por extensão, do Brasil). A marchinha tem tudo pra pegar nesse carnaval.
Mariza, todo mundo conhece um (ou mais) Seu Funéreo, né? Querer silêncio no carnaval é dose…
Abraços e beijos!