Raul Drewnick*

Escrever é uma dessas decisões tolas que podemos tomar aos dezesseis anos e manter pelo resto da vida, culpando sempre o jovem que fomos.

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Quando eu, rapazola, revelei a intenção de ser escritor, não houve um adulto, em minha família, que tivesse o bom-senso de me dissuadir.

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Há poemas que parecem menininhos mimados, daqueles que só atravessam a rua pela mão de papai ou mamãe e sabem o que quer dizer o lábaro que ostentas estrelado.

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A melhor fatia da literatura cabe sempre ao leitor. Ele pode, com a apatia dos deuses, pegar Dickens, recolocá-lo na estante, apanhar Dostoiévski, descartá-lo, folhear por alguns instantes Flaubert e resolver que nenhum deles é digno de lhe tirar o prazer de uma caminhada ao sol, pelo parque.

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Ela esqueceu de recolher a roupa do varal. O vento noturno, caprichoso, só secou a calcinha.

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Ela gostaria de trazer o amor sempre no colo, como se fosse um gato recém-nascido, e falar baixinho com ele, e contar-lhe histórias lindas, e perguntar-lhe se gostou, e saber interpretar suas respostas, ainda que se resumissem a um rom-rom.

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Os passarinhos eram econômicos nas saudações que faziam ao sol. Poupavam gorjeios para a hora em que Mario Quintana, sempre acompanhado pela Poesia, saía de casa.

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Se não existe alma, o que é, em nós, que se alvoroça tanto ao ouvir a palavra amor?

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Se não for pela beleza, por que o passarinho insiste em apanhar pedrinhas brilhantes e exibi-las no bico, para o sol, como um mascate gabando seus tecidos?

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Valorizemos o amor, esforcemo-nos para dar-lhe melhor aspecto e caráter, ocultemos seu pendor pela crueldade, para não dizerem, depois, que fomos mortos por um tipo qualquer.

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De dentro da caçamba subiu um impossível cheiro de rosa. A suspeita logo recaiu sobre o bloco de rascunho do poeta da casa amarela.

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“Vó, quem manda nas estrelas é Deus ou é a Lua?”

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Não fale de amor em casa de enforcado.

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Pode até haver bons poemas que não falem de amor. São aqueles em que o leitor, mesmo ao chegar ao fim com um sorriso, desconfia ter sido enganado com um produto ao qual falta o principal ingrediente.

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Geralmente, o que se diz depois de se dizer “diga-se de passagem” poderia muito bem ficar sem se dizer.

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas“Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.