“3 Ring Circus” (1954) – em sessão no Vista Cinema, em Los Angeles, esse é um pouco conhecido filme da dupla Martin and Lewis, que podemos dizer ter “envelhecido” mal por conta, principalmente, das cenas de animais circenses, apesar do tom de leveza e humor infantil. Se o número “It’s a big, wide, wonderful world” de Dean Martin acaba soando pitoresco demais em sua cantoria para os bichos – pensando melhor, ali há um ar de Dumbo (1941), e uma suavidade equilibrada diante dessa esquisita tarefa –, o número conjunto “Punchinello”, com um também pitoresco bonequinho feito de pão e outras comidas, traz uma terna imagem que vemos em certas cenas de filmes solo de Jerry Lewis, como em The Errand Boy (1961).

“Bram Stocker’s Dracula” (1992) – sessão noturna no The Egyptian Theatre praticamente lotada, que trouxe o arrebatamento de costume de uma das aberturas mais intensas da história do cinema, se é que isto pode ser dito. Num mesmo dia, e em tão díspares momentos cinematográficos, e aqui não exatamente o imaginário, mas a cenografia de animação colorida, os cenários luxuosos de um Walt Disney aparecem, por sua vez, na forma de um conto de fadas sanguíneo, macabro, de horror e amor eterno. O filme-mudo Nosferatu (1922), de Murnau, reaparece no Dracula de Coppola em forma de ecos, repaginados, de jogos de sombra e caixotes cheio de terra energizante para o vampiro viajar pelos mares…

“Anatomy of a Murder” (1959) – em sessão da quarta-feira clássica do Regency, uma estranha perfeição em um longa que combina disparidades, e delas lembramo-nos, e ainda assim, algo parece funcionar, de um modo “moderno” e também “clássico” de narrativa: um tribunal ao final, que não é sério, nem muito engraçado, um início embalado por música de Duke Ellington. Parece que estamos em um tipo de Paris Blues (1961), não com Louis Armstrong, não com um canastrão músico como o de Paul Newman, mas com um advogado pacato e solteirão como o de James Stewart. Ainda, nas disparidades amalgamadas, encontram-se a história de não amor paralela, na qual Stewart encarna um tipo de “tiozão da Sukita”; a abertura, com o advogado chegando em casa de uma pesca, ligando as luzes de cada cômodo aos poucos, como um introito da saída de sua pacata vida de advogado para receber um caso cheio de arestas. Ao final, depois de se achar que tudo entendemos das ações e intenções das personagens, e que resolvemos a chave do crime cometido, dou-me conta de que as pontas restaram abertas, mesmo no fechamento de algumas possibilidades. Trama que se aproxima, em parte, do episódio Revenge (1955), com Vera Miles e Ralph Meeker, do Alfred Hitchcock Presents.

“Deus e o diabo na terra do sol” (1964) – em retrospectiva de Glauber Rocha no Los Feliz Theater, uma pequena sala com bom público em uma tarde de domingo – com a alegria de ver um filme em português, e brasileiro; poderíamos dizer que radicalizando a mil os dramas burgueses da incomunicabilidade de Antonioni, e universal, e bruto, terno e ácido. Corisco (Othon Bastos) pode ser resumido em um lugar-comum: “uma força da natureza”, na complexidade de violência e graça. Aliás, é uma obra de extremos e contradições: local e universal, em paisagens nas alturas e agarrada ao cenário sertanejo. Misto de história de Canudos e Antônio Conselheiro, de Vidas secas graciliana, de catástrofe e riso, com um quê de novela sofisticadíssima – um resumo de Brasil, ainda hoje.

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Elisa Andrade Buzzo é doutoranda no programa de Estudos Portugueses e Românicos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), mestre em Estudos Brasileiros também pela FLUL e graduada em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Publicou os livros de poemas Notas errantes (Patuá, 2017), Vário som (Patuá, 2012 – finalista do Prêmio Jabuti 2013, na categoria Poesia), Canción rectrátil (La Cartonera, 2010) e Se lá no sol (7Letras, 2005), dentre outros. Parte de suas crônicas veiculadas no site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com) foi reunida até o momento em duas antologias: O gosto da cidade em minha boca (Patuá, 2018) e Reforma na Paulista e um coração pisado (Oitava Rima, 2013). Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças-feiras.