Sei que toda a generalização é burra em sua essência. Refaço. Todo o meu mundo odeia o Melo. As ruas, os animais, as pessoas, os postes, as casas, os prédios, automóveis, vegetação, o subsolo de Porto Alegre, o Sarandi, o Centro Histórico, a Cidade Baixa, o Lami, o Praia de Belas, a Vila Conceição e mais quarenta bairros, as quase 170mil pessoas diretamente atingidas, o cavalo Caramelo, o ar odeia o Melo, o rio, todos odeiam o Melo. Ou deveriam. Mas quem é Melo? Pergunta feita, ao próprio Melo, pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, após vaias de manifestantes em um evento.

Melo é o atual quase ex-prefeito e foi o candidato aquele que, durante o pleito eleitoral, solicitado que indicasse um livro ambientado em Porto Alegre, depois de pensar um pouco sobre o que significava “ambientado”, (mesmo tendo opções variadas e para todas as épocas, como, “Os ratos”, do Dyonélio Machado, “Rastros de verão”, do João Gilberto Noll, ou, os mais atuais, “Marrom e Amarelo”, do Paulo Scott, “Meia Syza”, da Marieta dos Santos Silveira, “O avesso da pele”, do Jeferson Tenório, “Os supridores”, do José Falero, só pra ficar nesses) respondeu: o “Atlas” de Porto Alegre, pigarreou e sorriu, néscia e cinicamente.

Quando o sistema de defesa da cidade está sob ameaça de colapsar e pode inundar tudo com uma enchente, o que o prefeito faz? (perdoem o trocadilho infame) Nada. O cara foi alertado por engenheiros da equipe de proteção contra cheias do Departamento Municipal de Águas e Esgotos – DMAE, através de um documento oficial, com número de protocolo e tudo, sobre a “necessidade urgente de resolução da demanda apresentada”, tendo em vista o “alto potencial de prejuízos para a cidade”. Se isso não é criminoso então eu sou o próprio Atlas, carregando nas costas todo mundo que odeia o Melo.

Ainpra quê politizar se têm tanta gente sofrendo? Sim, cara pálida, o evento é climático, mas as consequências são resultado das ações (ou inações) políticas. Falando em cara pálida, se escancara neste momento, chiando e looongo, igual chimarrão em cuia larga, o tamanho do racismo ambiental e das injustiças climáticas por estes pagos. No sul do mundo, a mortalidade e o sofrimento têm padrões estéticos e sociais.

E nem vou citar o governador, que, depois de um questionamento, disse “eu não sou o homem do tempo”, e o senador Mourão, desaparecido durante a tragédia, que votou contra o Projeto de Lei que reduz a vulnerabilidade em relação à mudança do clima nos sistemas ambiental, social e econômico. Ambos concorrendo ao prêmio “abobados da enchente”. Todos odiáveis. Sugestão de mudança em outro trecho do hino Sul-rio-grandense: “Sirvam / esses tacanhas / de modelo / a toda Terra”.

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E com vocês, por mais incrível que pareça, Tiago Maria, brasileiro, cansado, 42 anos, cardioinsistente. Profissão: esperança. Participou das antologias Santa Sede Crônicas de Botequim safra 2013, Cobras na Cabeça crônicas (ir)reverentes e Maria Volta ao Bar. É autor do livro de crônicas “SEMVERGONHO – crônicas com e sem noção” (Santa Sede Editorial/Selo Balcão, 2022). Publica toda terça no blog tiagomaria.art.br. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.