Dia desses ouvi a professora da minha filha dizer, a respeito das reuniões na escola, que ao longo dos próximos meses ela chamaria os pais para dar uma palavrinha. Há quanto tempo eu não ouvia essa expressão! Minha avó usava muito, minha mãe, também, às vezes. “Vem aqui um minuto que eu quero dar uma palavrinha com você”…

É uma maneira agradável de nos envolver. Quem tem medo de uma palavrinha? Não há de ser nada de grave, certamente. Não será algo de mudar o curso de uma história, nem irá deixar ninguém com a pulga atrás da orelha, ao contrário, será qualquer coisa que vem a calhar, esclarecedora na medida certa, sem a reviravolta de uma revelação. É um jeito amigo de antecipar o inofensivo da coisa, e assim ir se chegando, levemente, airosamente. Vamos então desconfiar de quê? Antes nos dessem mais palavrinhas que palavrões.

Mas minha avó, cozinheira das boas que era, quando dizia assim, com um meio sorriso, ia para o reservado com a pessoa, e tinha qualquer coisa de picante nisso, nesse uso próprio da expressão, que, se não lhe salpicava umas sombras de confidência, dava à mensagem um caráter exclusivo. E então, depois não de um, mas vários longos minutos, saía a pessoa ruminando sua palavrinha…

Quem sabe, servida à moda da casa, essa palavrinha viesse mesmo com um acento de malícia, como se o singelo da expressão carregasse o poder de ser também uma isca. E, de lembrar, já vou sumindo por um labirinto de portas entreabertas, quando penso de novo na professora da minha filha. Claro que aí não tem nenhuma isca. O tom é francamente simpático e convidativo. O que a palavrinha da professora fisgou por um momento foi minha avó com seu meio sorriso.

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Mariana Ianelli é escritora, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora dos livros de poesia Trajetória de antes (1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005 – finalista dos prêmios Jabuti e Bravo! Prime de Cultura 2006), Almádena (2007 – finalista do prêmio Jabuti 2008), Treva alvorada (2010) e O amor e depois (2012 – finalista do prêmio Jabuti 2013), todos pela editora Iluminuras. Como ensaísta, é autora de Alberto Pucheu por Mariana Ianelli,  da coleção Ciranda da Poesia (ed. UERJ, 2013). É autora dos livros de crônicas Breves anotações sobre um tigre (2013), Entre imagens para guardar (2017), Dia de amar a casa (2020), Prazer de Miragem (2022) e Turno da Madrugada (2023), todos pela editora ardotempo. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos sábados.