O mar de lançamentos literários e reedições que nos chega em ondas, umas atrás das outras, incansavelmente, me faz pensar em Carl Sagan num dos programas da genial série “Cosmos” que ele apresentava na TV nos idos de 1980.

O astrônomo aparece caminhando num dos andares altos do acervo da Biblioteca Pública de Nova York e nos propõe o cálculo: “se eu lesse um livro por semana durante toda a minha vida adulta, e tivesse uma expectativa de vida mediana, quando eu morresse, teria lido alguns poucos milhares de livros, não mais”. Então ele mostra, em catorze passos, quanto daquele pedaço de andar de livros corresponderia a essa conta: “um décimo de um por cento do total de livros na Biblioteca”. Não mais que um décimo de um por cento… uma poeirinha na imensidade cósmica de uma entre muitas bibliotecas cósmicas…

“O truque”, arremata Carl Sagan, “é saber que livros devemos ler”. E é aí que borbota a enxurrada de apelos por atenção das editoras (e curadorias de leitura) interessadas justamente em abocanhar sua parte nesse delimitado quinhão dos nossos livros eleitos em meio a tantas outras galáxias que não visitaremos nunca.  As ofertas vêm em vagas multiplicadas e formam, aqui e ali, por um certo tempo, constelações de leitores dos mesmos livros. É até humanamente reconfortante pensar que clubes de leitura nos façam menos sós na infinidade da nossa ignorância cósmica.

Mas “saber que livros devemos ler” vem de um (também minúsculo) caminho próprio. De livros que descobrimos pra lá da rebentação, de livros que nos chegam por interseções inimagináveis desde o nosso interesse primeiro, escolhas que são do acervo da nossa história com suas encruzilhadas e seus meandros pessoais. Podemos acompanhar as vagas sucessivas de novidades ou voltar aos clássicos, encontraremos sempre grupos afins aos quais nos juntar. E por mais rica e vasta que aparente ser nossa bagagem, não passará de uma poeirinha no cosmo de uma entre muitas grandes bibliotecas do mundo. Contando a parcela disso que vem da mentoria da própria alma, poeirinha que seja, é o nosso pouco precioso.

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Mariana Ianelli é escritora, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora dos livros de poesia Trajetória de antes (1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005 – finalista dos prêmios Jabuti e Bravo! Prime de Cultura 2006), Almádena (2007 – finalista do prêmio Jabuti 2008), Treva alvorada (2010) e O amor e depois (2012 – finalista do prêmio Jabuti 2013), todos pela editora Iluminuras. Como ensaísta, é autora de Alberto Pucheu por Mariana Ianelli,  da coleção Ciranda da Poesia (ed. UERJ, 2013). É autora dos livros de crônicas Breves anotações sobre um tigre (2013), Entre imagens para guardar (2017), Dia de amar a casa (2020), Prazer de Miragem (2022) e Turno da Madrugada (2023), todos pela editora ardotempo. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos sábados.