Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, já contei o mosquiteiro? Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, ué, e essa sacola? Um, dois, três… Finalmente fecho a conta em vinte, com relativa certeza de não ter passado por cima de nada. Vinte pacotes-embrulhos-malas-sacolas-sacos-caixas que se amontoam na charrete de madeira no cais, enquanto espero o barco. Vinte volumes sem contar a caixinha de transporte do gato (com ele dentro) e o cachorro, que ainda não chegaram.

— Não perca nossas coisas de vista — Larissa havia me alertado quando descarregou os vinte volumes mais eu no porto de Marudá e saiu apressada para levar o carro na casa da tia e trazer Chico e Salém. Será que contei vinte mesmo?

Se não estivesse ansiosa, estaria cantarolando aquele carimbó de “lá vem o popopô”, da Dona Onete. Mas nas presentes circunstâncias não cabe carimbó, nem música nenhuma, e me limito a contar mais uma vez os nossos pertences. Para facilitar a coisa, puxo a lista da primeira crônica da viagem e confiro os itens um por um:

2 malas: check

2 bolsas de viagem: check

3 mochilas pequenas: check

(1 cachorro grande: no aguardo)

(1 gato nem-nem: no aguardo)

1 violão: check

1 body board: check

2 pés de pato: check

3 garrafas de água: descartadas

1 cooler: check

2 redes: check

(1 casinha de transporte (gato): no aguardo)

1 caixa higiênica (gato): check

1 saco de areia (gato): check

1 sacola com pertences do cachorro (toalha, xampu, corda, brinquedos): check

1 saco de ração (cachorro): check

4 vasilhas de tamanhos diferentes para água e ração (gato e cachorro): check

1 pacote de tapetes higiênicos (quem precisar): acabou

A isso se somam as coisas que compramos nos últimos dias em Castanhal e, ainda agorinha, aqui em Marudá:

1 mosquiteiro (para cama de casal): check

2 travesseiros novíssimos: check

2 caixas grandes e pesadas com itens de supermercado: check

A essa altura, já estou confusa de novo porque agora a conta deu mais do que aqueles vinte volumes iniciais, e ainda acho um tapete de yoga que veio de Fortaleza e está faltando na primeira lista. Mas antes que possa refazer a conta de novo, me deparo com outro problema: lá vem o popopô. Lá vem o popopô, e ainda faltam os três itens mais importantes: o gato, o cachorro e a Larissa. Enquanto o barco – o último do dia – se aproxima pelas águas turvas do rio Marapanim, espio nervosa para a entrada do porto, que, na verdade, não é mais do que um cais que sai de uma pequena praça usada como estacionamento.

— Ainda bem que é o Popstar — comenta alguém do meu lado, e se não estivesse ansiosa, abriria um sorriso pela nova referência a Dona Onete.

O pessoal que estava esperando junto comigo começa a carregar suas coisas para dentro do barco. Lá vão bolsas e mais bolsas, embrulhos e mais embrulhos, gente e mais gente, e já estou achando que não vai dar certo, que o barco já deve estar lotado, que Larissa não vai chegar a tempo, que vamos ter que levar tudo de volta para a casa da tia, dormir uma noite lá, pegar o primeiro barco amanhã de manhã. O dono da charrete espera um sinal meu, todo mundo já subiu no Popstar, agora só faltam nossas coisas, quando enfim – enfim! – avisto o Chico no início do cais, puxando a Larissa atrás dele, os dois seguidos por minha sogra com a caixa do gato nos braços.

Não sei nem como fizemos para subir o Chico, só sei que poucos minutos depois estamos sentadas no banco de madeira na lateral do barco, nossos vinte e tantos pacotes-embrulhos-malas-sacolas-sacos-caixas, junto com os pacotes-embrulhos-malas-sacolas-sacos-caixas dos outros passageiros, amontoados no meio. E, finalmente, sob um teto acolchoado de salva-vidas alaranjados, deixamos o continente para trás. Algodoal, estamos chegando! Daqui pra frente será pé na areia, banho de mar e carimbó.

Enquanto o Popstar balança entre as ondas, e Salém reclama no meu colo, enquanto Chico recebe carinho dos passageiros à sua volta, e o céu escurece, enquanto Larissa olha concentradamente para nossos pertences no chão (estará contando?), começo a cantarolar por dentro:

“Te mete!
Te joga!
E vem, vem, vem, vem, vem, vem, vem com a gente
Tomar banho de chuva
Tomar banho de cheiro
Depois se jogar no banzeiro!”*

Travessia Marudá – Algodoal, 29 de novembro de 2023

*da música “Banzeiro”, de Dona Onete

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Yvonne Miller nasceu em 1985, em Berlim, Alemanha, e mora no Brasil desde 2017. Cronista e contista, tem textos publicados em várias antologias e é autora do livro “Deus criou primeiro um tatu — Crônicas da mata” (Aboio, 2022), que reúne suas vivências em Aldeia dos Camarás, na Mata Atlântica pernambucana, onde viveu por três anos. É mestra em linguística e atualmente vive em Algodoal/PA. Na RUBEM, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras.