Daí ele disse pra ela assim: “tá, vou tentar te explicar de outro jeito. Na zaga não pode deixar passar nada, é uma posição de defesa, joga na retaguarda, tem que chegar sempre firme, sacou?, sem dar muito espaço, coisa de imposição física, na ignorância mesmo, grosseria, zero meiguice, cara feia o tempo todo, bafo na nuca e pisão no pé, carrinho pra todo o lado, do pescoço pra baixo é tudo canela, precisando bate até na mãe, não se tem muita habilidade com a bola, nem com as palavras, grita com o time, xinga juiz, bandeirinha e repórter, discute com o adversário, reclama do treinador e da própria torcida, simula falta, espanta o perigo, destrói qualquer lance que possa ameaçar sua meta, dá cotovelada, cabeceia a cabeça do atacante, morde a orelha e cospe na grama, pavio curto, não brinca em serviço, afasta de bico que não é feio, se apertou: chuta pro mato que é jogo de campeonato, tá ligada?, via de regra, usa a braçadeira, até conduz bem, mas prefere uma cutucada, aquela dividida de sair faísca, é sua missão frustrar investidas, garante o resultado, elimina riscos, antecipa possíveis contra-ataques e usa o corpo a corpo pra evitar o pior, sacou? Era isso que eu queria dizer, tu, se fosse jogadora, seria zagueira, entendeu?”.

E daí ela disse pra ele assim: “olha, eu entendo pouco de futebol, mas de mulher tu não sabe é nada!”. E foi embora, e foi embora, e foi embora.

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E com vocês, por mais incrível que pareça, Tiago Maria, brasileiro, cansado, 42 anos, cardioinsistente. Profissão: esperança. Participou das antologias Santa Sede Crônicas de Botequim safra 2013, Cobras na Cabeça crônicas (ir)reverentes e Maria Volta ao Bar. É autor do livro de crônicas “SEMVERGONHO – crônicas com e sem noção” (Santa Sede Editorial/Selo Balcão, 2022). Publica toda terça no blog tiagomaria.art.br. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.