Ele nunca perguntará se ela o ama. Não se arriscará a perder a única ventura que lhe resta: a de imaginar que sim.

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Condenados à castidade, os amores impossíveis trocam beijinhos no rosto e morrem em olor de castidade.

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Sou do tempo em que o Café Caboclo era irmão do Açúcar União.

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Dizemos, naturalmente, falar em nome da literatura. Embora ela, naturalmente, não concorde.

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Um parente rancoroso murmurando ao ouvido do defunto, no velório: me chama agora de fracassado.

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Não cheguei  a ser um poeta. Fui no máximo um versejador aplicado.

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Aos olhos da nova crítica, sonetos não são feitos nem escritos; são cometidos.

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Sua campanha de reabilitação moral vem dando certo: já há mais de um ano ninguém lhe pergunta se ainda faz sonetos.

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Morrer é uma prerrogativa: não morre qualquer um, só morre gente viva.

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Conhece-te a ti mesmo, se não tens nada mais interessante a fazer.

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Quando eu era menino, diziam-me que eu tinha certo jeito para escrever. Talvez tivesse. O que nunca tive, acho, foi o jeito certo.

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O que dois tolos melhor sabem fazer é compartilhar o amor.

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Que lastimáveis são certos velhos quando se põem a falar do amor, com os olhos lúbricos e a saliva aflorando aos lábios, como se estivessem numa churrascaria, diante de um pernil.

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Era um fantasma bissexto, que mais sumia do que aparecia.

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 Um fantasma suíço sempre chega à meia-noite, nunca além ou aquém disso.

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Sem vergonha e sem desdouro, o poeta concretista conserta agora os versos no martelinho de ouro.

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Nos últimos tempos, quando falo comigo noto um mútuo constrangimento

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.