O gato metropolitano sonha com sardinhas em lata.
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Se um gato estiver nela, ou pelo menos perto, nenhuma frase há de ser considerada sem importância.
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Não é lenda. É preciso ser um tantinho louco para ser poeta. Se você não é, faça o seguinte: simule.
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Buscar a verdade é uma preocupação de quem não tem coisa melhor para fazer.
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Não critiquem o poeta por passar com o nariz empinado. Ele pensa que é um rei. Poetas vivem de ilusão.
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Até os dezoito somos só coração. Depois é que descobrimos o pâncreas e os intestinos.
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Felizes são os gramáticos. Para eles, morrer é só um verbo.
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Morrer de amor é uma hipótese à qual todos os tolos, até os mais espertos, estão irremediavelmente sujeitos.
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Na semana do Natal, o velho parnasiano, dois dias antes de morrer, saiu com seu cisne e tocou a campainha do mais humilde sobradinho da rua: “É para a ceia de vocês.”
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Diante de seu defunto mais querido, faça um teste: toque Chopin. Talvez ele não se erga, mas é provável que seus olhos tenham ainda duas lágrimas a oferecer.
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Quando a Morte vier, eu me entregarei, mesmo que ela não seja loira, nem longilínea, nem tenha sotaque nórdico.
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O bêbado tropeça e cai. Levanta-se inteiro. Deus é pai.
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Agora nada mais importa. O que li, o que escrevi, tudo não passa de letra morta.
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Provérbio velho não mete a mão em cumbuca.
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Quando me lembro da condessa, minha língua se inquieta e anseia por dizer palavras salinas.
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Tanto esforço, tanto sacrifício, para sermos hoje o que amanhã teremos sido.
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Entre uma ideologia destra e outra canhestra, prefiro a burrice sadia e a alienação da poesia.
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Coração meu, não sangres assim. Cuida-te, meu coração. Fecha-te, gergelim.
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Saberíamos melhor de nós se não estivéssemos com o nariz sempre apontado para a casa do vizinho.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Como se você não estivesse sempre inspirado, hoje você está inspiradíssimo. Quanto coisa linda, deliciosa, maliciosa… Grande Raul.
Alexandre, talvez eu mereça algo, mas certamente não tanto. Abraços
Os noite Raul! Os amanhãs sempre se renovam em eternos e passageiros hoje que nas próximas manhãs serão ontem! Roda viva que rola no tempo trazendo memória de vida! Boa noite poeta! Até a próxima.
Mariza, eu lhe agradeço por sua atenção e sua gentileza sempre presentes. Muito bom poder contar com elas. Um privilégio.
Adorei este dos parnasianos… haahahahha …hahahahah
Um concretista já não poderia oferecer um presente assim. Que panela cozinharia um cisne de pedra?