Fiel a um hábito de infância, escreve ainda aos oitenta, embora jamais tenha empinado pipa nem corrido atrás de balão.
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O romantismo ainda às vezes, em nome dos bons tempos, vai à casa do poeta pedir-lhe que arranje vaga para um cisne necessitado.
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E vós, tágides minhas, dizei ao Tejo que estou indo para o brejo.
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Tenho oitenta, e acredite: eu me trocaria por dois de quarenta: desde que um fosse o Brad Pitt.
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Era um morto tão afável que talvez aceitasse até assinar uma rifa.
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Deus vos livre de conhecer uma mulher fatal. E Deus vos livre de, tendo conhecido uma, serdes impedidos de conhecê-la na sua inteireza.
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Deixaram a caixa na esquina e afastaram-se lentamente, procurando manter-se alheios aos ruídos da noite, embora gatos mortos não saibam miar.
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Os mendigos de Beckett não são metáforas. É possível sentir-lhes o cheiro e ouvir o rancor de suas vísceras famintas.
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A família do morto capitalista colocou um cartão de crédito no seu terno de defunto.
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É um hotel de tradição. As baratas andam pela quadringentésima décima sexta geração.
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Um romancista velho para outro: “Precisamos falar mais de sexo em nossos livros. “O outro: “Sexo em que sentido?”
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O velho Machado não precisava de nada além de uns braços para proclamar a irresistível força de Eros.
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Num romance, quando sentem a possibilidade de uma cena erótica, os advérbios de intensidade logo se colocam à disposição, eriçados.
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A esperança e os chatos são sempre os últimos que morrem.
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O poeta ainda não terminou o primeiro quarteto e o crítico já censura a chave de ouro.
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Recente portaria determinou que os poemas concretistas sejam vendidos não mais por unidade, mas por peso.
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Uma rosa tem a virtude de nunca ser uma só – já ensinava Gertrude.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Muito bom!!
Feliz de começar o domingo com esta leitura!!
Dora, meu domingo desandou a sorrir. Abraços
Uma melhor que a outra e a outra melhor que a uma (não necessariamente nessa ordem).
Cássio, meu índice de acertos anda lastimável. Hora de ir pensando em pendurar a Bic.
Não faça isso não! BIC nas mãos de Drewnick é preciosidade a enriquecer domingos e alegrar seus fiéis leitores! Fico contente em saber que contamos o tempo no mesmo ritmo! Eu em julho e você? Volte logo com a Bic em punho para júbilo nosso. Abraços poeta!
Tenho transformado a Bic em cúmplice de textos cada vez menos interessantes. Venho perdendo a mão já há muito tempo. Ainda bem que conto com leitores generosos e educados. Quanto à sua pergunta, Mariza, sou de outubro. Abraços
O que a Rede Globo está esperando para te contratar, Raul? Tuas frases estão cada vez melhores. Parabéns.
A Rede Globo, Nelson? Menos. Talvez a PRK-30, se ela ainda existisse. Abraços e continue cuidando bem da linda Olinda. Você é um privilegiado.