Não se pode negar nossa modéstia quando dizemos que o inferno são os outros.
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A mentira, segundo ela mesma diz, é confiável.
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A pobreza cultural pode ser uma bênção. Não há mais aqueles chatos que citavam máximas em latim.
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Alguma criancice o poeta pode conservar – como a de supor que, embora não saiba voar como Mario Quintana, gorjeia quase tão bem quanto ele.
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Quando você morrer, reconhecerão algumas das virtudes que hoje lhe negam. A serenidade, por exemplo.
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Alguém diz à viúva que vá dar uma espiada: o defunto parece estar sorrindo. Ela não vai: “Ah, deixa. Ele sempre foi assim gaiato.”
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Os superlativos parecem girafas com chapéu.
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Os filósofos são iguais a nós. Perguntam, perguntam, perguntam. Com uma diferença: atrevem-se a responder.
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Não há leitor que os mereça. Depois dos versos sem pés, os poetas agora os fazem também sem cabeça.
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Se a gramática sorrisse de vez em quando e tirasse aqueles óculos de lentes grossas…
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Os romances antigos aguentavam seiscentas páginas e ainda saíam assobiando uma valsa depois.
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Como pode uma formiga, entre mil e oitocentas no formigueiro, reconhecer sua melhor amiga?
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O cachorro late para a lua e a lua rebate: é a tua, é a tua.
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Eram três ratinhos. O primeiro morreu de fome, o segundo de sede. O terceiro teve o fim óbvio: foi almoçado pelo gato da casa.
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Além das rimas toantes e consoantes, há as irritantes.
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Com Mario Quintana, vou a Pasárgada e além de Taprobana.
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Apostei tudo em minha melancolia, mas ela passou despercebida.
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Vejo o rosto corado dos jovens escritores e imagino como a literatura, aquela puta velha, gostará de beber o sangue de cada um deles.
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Sou um homem ultrapassado. Ainda não aprendi a ver o amor como uma forma de entretenimento.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Excelente!!!
Alfredo, obrigado pela leitura. Que o domingo seja ensolarado ou que pelo menos se esforce para ser.
Raul, boa tarde! Deixei um comentário e o li apenas uma vez e ele desapareceu! Hoje não gargalhei, sorri aqui e ali! Estou exausta ! Tive visitas e emoções conflituosas entre afetividades e pontos de vistas divergentes. Por vezes gostaria de vir a ser considerada galhofeira quando na mesma circunstância do apresentado hoje por você. Receba meu abraço enquanto aguardo o domingo para outras leituras e risos. Mariza
Mariza, cada galhofa que faço me dá um sentimento ruim, de traição. Eu preferiria tocar sempre a nota do lirismo, mas não venho resistindo à tentação das gracinhas, talvez porque o pecado já não cause temor ao velho em que me transformei. Gostaria de estar com quinze anos. Talvez eu não fosse tão puro quanto me diz hoje a memória, mas certamente seria mais honesto. A poesia não tolera chicanas nem charlatanismos. Bom domingo.