Escrevo coisas pequenas, ninharias. Que se canse o artista e maldiga seu ofício, enquanto eu assobio e vou fazendo minhas bijuterias.

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O traço mais comovente dos mortos é a resignação com que se submetem ao terno e à gravata.

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Se o que você sente é amor, não receie ser pródigo; tema ser avarento. Dê o coração, entregue a alma, e ainda será pouco.

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A gramática perde o acento, mas não perde o pelo.

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Louve-se a tenacidade dos poetas românticos. Eles se esforçavam para merecer a morte.

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De todos, o sindicato mais ranheta é o das categorias gramaticais.

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Que defunto acabado! Parece que passou três noites na farra.

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A gramática histórica é prova de que nós não somos suas primeiras vítimas.

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Se perdermos a confiança nos defuntos, quem nos soprará os números da megassena?

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Hipocondria parece, mas não é doença de cavalo.

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O morto perderá os benefícios se for apanhado rindo no exercício de suas funções.

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Gostaria de saber como eram, quando não eram o que são, as frases feitas.

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Na aula de física, a poética intromissão: vento é o ar em movimento.

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O que falta ao nosso sofrimento de hoje é aquela esperança de poesia.

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Que lástima! Pifou a engrenagem do Deus ex machina!

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O poeta romântico e o concretista fizeram uma aposta para ver qual deles conseguiria produzir o melhor arco-íris caseiro. Por muito menos se acendia o sagrado fogo da Inquisição.

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Sou um velho impertinente que me aturo cada vez menos.

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Pode haver dez gatos numa casa. Nenhum deles será coadjuvante.

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Como negar que os gatos são superiores? Que outros matadores de passarinhos nós perdoaríamos com tanta facilidade?

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Uma quadrinha o que não pode é ter a pretensão de tornar-se um quarteirão.

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Por mais modesto que seja, um soneto acaba exibindo seus dentes de ouro.

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Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.