If you are the dealer, I’m out of the game / If you are the healer, it means I’m broken and lame – “You want it darker” – Leonard Cohen
Chove em pequenos tragos essa manhã agridoce. O café quente é generoso e fornece alguma esperança. A paisagem cinzenta é tão bela quanto críptica. Eis um enigma que se insinua em um sorriso de dentes serrilhados. Quantas vezes essa neblina não tragou os distraídos, que acham que venceram, mas podem estar em um delírio de forca? Deixo-me carregar, sem resistência. A brisa gélida e o interior aquecido formam esta esteira onde me permito…
Sabe, cara, os reis estão nus? Sacou? Paus balançando às correntes numa orgia em que ninguém goza ou sente prazer. Autofagia. É a ostentação do vazio. É pior que frente fria. O acesso de espirros que acomete sem cura e comete sem pena. Quando perdemos tanto que deixamos de nos importar. Ando pela praça com meu amigo até o metrô. Vão diminuir o salário mínimo. A UERJ está em chamas, e os Neros trocaram a cítara pelo teclado. Escuto “You want it darker”, do Leonard Cohen; respondo “You’ve got it, baby.”
Tropeço em meio às pedras na busca por uma resposta das ondas. Algo que se encaixe em mim e não me derrube, porque estou no redemoinho e a água invade e machuca, apesar de delicada à distância. Essas luvas de pelica não são uma vestimenta que esconda poucas vergonhas. Ou médias. Ou grandes. A vergonha é uma emenda que se dissolve nas nuvens.
Se os reis estão nus, os súditos devem ficar também. Está na hora de expor aquilo que sempre foi travado. E combater corpo a corpo uma camada grotesca que se exibe berrante. O horror saiu do armário com a força de um tsunami e trilha de trombetas. “Hoje vai ter eclipse, cara, mas a gente não vai ver.” “Acho que estamos dentro do eclipse.” Chega de escuridão. Há coisas mais importantes a perder que as roupas que fingimos ser. Logo, está na hora de se importar em como queremos ser vistos no futuro. Pois é no presente que costuramos as próximas gerações.
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Daniel Russell Ribas é membro do coletivo “Clube da Leitura”, que organiza evento quinzenal no Rio de Janeiro. Organizou as coletâneas “Para Copacabana, com amor” (Ed. Oito e meio), “A polêmica vida do amor” e “É assim que o mundo acaba”, ambos em parceira com Flávia Iriarte e publicados pela Oito e meio, e “Monstros Gigantes – Kaijus”, em parceria com Luiz Felipe Vasquez, pela Editora Draco. Participou como autor dos livros “Clube da Leitura: modo de usar, vol. 1”, “Lama, antologia 1” (publicação independente), “Clube da Leitura, volume II”, “Sinistro! 3”, “Ponto G” (Multifoco), “Caneta, Lente & Pincel” (Ed. Flaneur), “Clube da Leitura, vol. III”, “Veredas: panorama do conto contemporâneo brasileiro” e “Encontros na Estação” (Oito e meio). Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras.
Gratidão… Gratidão? Sim, gratidão por essas palavras. Suas palavras são minhas coordenadas que mostram onde me localizo no momento. Na verdade, são palavras sensações de muitos de nós que sofrem dessa estranha anomalia tão evidente. Chamo, e sei que não deveria chamar, de anomalia dos “T’s”, Sei que não posso restringir a reflexão somente nisso, mas…Enfim. O que sinto é que ela expõe o pior de todos nós, torna evidente o sentimento de impotência ou até mesmo a indiferença diante dessa crise. Vejo por dentro, por baixo de minha pele, tá lá bosta da mediocridade que a primeira a levantar o indicador demarcando todos os problemas do mundo através de suas fronteiras. Esse vício eu não escarro.
Engraçado é que a gente tinha de ler essa suas palavras e ter vontade de morrer, mas verdade elas nos reanimam. Vou ler de novo.
Ah, levarei durante a semana esse sentimento de gratidão! Agora vou ler novamente.