(Imagem: Bendita Luz)

Marco Antonio Martire*

O plano é simples: o sujeito agradece à vida pelo emprego que tem e tira férias, enquanto a senhora da foice não chega, porque a aposentadoria… essa não vem mesmo. Para ocupar uma parte das férias ele decide por curtir rapidamente, pois a senhora inflação também fez o seu trabalho, nosso poder de compra é o de uma sabiá travessa, pelo menos pra mim, que sou um homem banal, que pensa em mar durante as férias.

Meu destino de viagem rápida foi nosso litoral carioca. Onde estão as praias? Lá fui eu atrás de água salgada. Não demorei a captar no arco de minha visão a imagem da areia branca que eu adoro, adiante o azul do oceano. Besuntado de filtro solar, fora raios UVA e UVB, quis mergulhar na água límpida.

Senti a civilização aí. Dei-me conta do celular, carteira, chave de casa. Olha a responsabilidade versus a liberdade, a comunhão ideal com a natureza prejudicada. Do celular eu queria as fotos, férias têm um quê de malandragem perante à comunidade. Neste instante da famosa era comum não se foge mais das férias alheias, lidemos com as imagens e palpitações.

Precisava do celular inclusive para ligações. E da minha carteira? Não conseguiria me livrar dela também, queria depois do mergulho provar uma água de coco, por exemplo. Levaria só dinheiro? Mas e a passadinha no quiosque para comer um negocinho, beber uma cerveja gelada? Sem cartão não dá. A chave poderia abandonar no bolso fechado a velcro da bermuda. Duvido que molhada bloqueasse meu retorno ao lar em pele fumegante, alucinado por uma chuveirada fria que me separasse do sal.

A civilização é esta: experimente uma praia de nosso litoral e verá que o introito impõe suas condições, junto aparece um mal-estar nada passageiro, reagindo contra nossa burrice de plásticos largados na natureza incomparável. Civilização tem mais a ver com destruir do que pensamos. E nos enganamos imaginando que tem como dar certo, não há qualquer garantia disso, a gente se extingue a partir do bom-dia. Sem parar.

Preciso terminar a crônica. Salvaram-me da inadequação terrível duas senhoras que conversavam enquanto seus netos brincavam na água rasa. De outra vez salvou-me um pescador, a quem perguntei se o mar não estava muito mexido. Entreguei minha civilização para eles e virei um peixe. Sabe como é, peixe deste nosso mar não fecha olho. Era um olho meu na onda e outro na civilização ancorada na areia.

Esta é a minha última crônica do ano, volto agora só em janeiro do ano que vem, quando completarei três anos como cronista deste espaço incrível que é a RUBEM! Agradeço de coração ao Henrique Fendrich por acreditar no meu trabalho, aos leitores pela presença e pela paciência. Espero ter ajudado a preencher nossos dias com boas leituras. Desejo a todos um Feliz Natal e um belíssimo 2017!    

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Marco Antonio Martire é carioca, formado em Comunicação pela UFRJ. Publicou os contos de “Capoeira angola mandou chamar”, a novela “Cara preta no mato” (ebook) e participou como autor das coletâneas de contos “Clube da Leitura – volume III” e “Escritor Profissional – volume 1”, ambas pela Editora Oito e Meio. É membro do Clube da Leitura, coletivo que organiza eventos de leitura e criação no Rio de Janeiro. Escreve na RUBEM quinzenalmente às quartas-feiras.