Raul Drewnick*
Que um homem consiga destruir-se com o álcool, o jogo e as mulheres é compreensível. Que atinja o mesmo com a prosaica literatura é uma façanha.
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Aos poetas deveria ser dado como prêmio, na hora da morte, não estrebucharem, não estertorarem, não babarem, e terem no rosto uma expressão como a de um recém-nascido a quem a mãe indica um ponto no céu e lhe diz sol.
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Sempre que o amor atingisse o auge, o coração deveria explodir e esparramar pelo céu mil duzentos e cinquenta balões coloridos, se não mais.
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Se souber falar do amor, o poeta nunca ficará sem trabalho.
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Já era muito tarde quando descobri que o amor não é um negócio para amadores.
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A vida é uma questão de sorte; a morte, uma questão de tempo.
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Dedicar a vida à literatura é um modo tão eficaz de morrer quanto qualquer outro.
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Venho comprovando que a velhice é mesmo um estado de espírito – o mais desagradável de todos – e que piora dia a dia.
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Que ainda se morra por amor é uma prova de que à morte pouco importam as modernidades.
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No sonho ele a vê mastigando vagarosamente um colar de pérolas e anseia para que ela o olhe e lhe diga: o próximo é você.
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Há noites em que ela usa o mindinho. Fecha os olhos e imagina que uma passarinha escolhe nela fios para o ninho e que, depois de colhê-los, começa a bicar educadamente os grãos de milho esparramados na sua coxa.
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Na mão dela, quando ao chegar a beijou, ele sentiu cheiro de maresia. Presunçoso, imaginou que ela lhe tivesse prestado uma homenagem enquanto o esperava no sofá.
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Na noite em que sonhou com ela, acordou com a boca seca de sede e a frustração de o sonho haver terminado antes que ela tirasse o sutiã.
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Ter vivido tanto foi o mais longo dos meus descuidos.
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Estratagema é o tipo de recurso que usaríamos numa conquista amorosa, se não soasse tão pernóstico.
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Gostaria de tê-la visto nua ao menos uma vez. Tem certeza de que acharia perfeito seu corpo, assim como achou dócil sua alma cruel.
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Quando for escolher um sofá, não se esqueça de levar o gato.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
O Raul defende a raça com suas frases. Obrigado, mestre!
“Se souber falar do amor, o poeta nunca ficará sem trabalho.” Realmente caro poeta da vida, falar da ( de dar) mesmo muito trabalho! Muito melhor e (do verbo haver) amar e exercer ou exercitar esse amor! Meu corretor gringo continua me estranhando e eu a ele! Abraços
Marco, como se diz no futebol: a poesia me dá a bola redondinha, e eu a devolvo quadrada. Mariza, eu continuo achando que, se não falar de amor, o poeta está traindo seu ofício. Quanto ao seu corretor, dê-lhe um corretivo.