Daniel Russell Ribas*

Tony e Amanda nunca se conheceram. Podem ser pessoais reais. Podem ser produtos da ficção, vindos da mentalidade de um autor ou deles mesmos. Mas, apesar de nunca terem se encontrado, eles sabem que existem. E foi neste momento único em que tudo se justificou.

Tony nasceu no Brasil, mas viveu toda a sua vida na Europa. Amanda veio ao mundo na Europa, porém, ainda pequena, sua família migrou para o Brasil. Enquanto cresciam, desejavam mudar o ambiente em que viviam. Tony fez deste desejo infantil o propósito para sua existência. Já Amanda se desiludiu e optou pela sobrevivência no lugar de ideais quixotescos. Ambos tinham 30 anos e não sonhavam há anos.

Ele se manteve solteiro, pois seu coração, até aquele momento único, só estava entregue para o mundo. Ela se casou, porque, até aquele momento único, seu coração tinha sido destroçado pelo mundo. Não eram personagens de uma beleza física extraordinária, mas que se destacavam perante os seus por conta de uma qualidade inominável. Não era otimismo, ou bom humor, ou solidariedade. Era uma mistura de todas estas características, mais algumas, que, embora imperceptíveis de longe, transbordavam de seus olhos como um mar selvagem e suave. Era um olhar com um peso de um romance de 500 páginas. Uma emoção abstrata tão sincera que poderia ser pega na mão, como um beija-flor.

Ambos foram machucados terrivelmente pela vida, mas nunca deixaram de ter esperança. Apenas fizeram escolhas diferentes. Na estrada do dia-a-dia, tomaram direções opostas, embora, sem querer, fossem pelo mesmo sentido. Tony e Amanda buscavam a felicidade sob a regência do medo. O Medo. Medo do fracasso, da solidão, da incapacidade de compreender o sofrimento e aceitar seus próprios sentimentos contraditórios. O ato de amar enquanto se despreza, odiar enquanto tenta demonstrar compaixão. Como vítimas de um hospedeiro inseguro quanto a sua natureza, queriam fazer o melhor, inclusive quando não sabia o por quê.

Ele queria alguém que ouvisse, passasse a mão em sua cabeça (cafuné era o seu ponto fraco), com que se sentisse à vontade e, principalmente, pudesse ficar ao lado por um longo tempo. Nunca seus relacionamentos duraram muito. A culpa, em geral, não era delas. Tony sentia carinho pelas mulheres, um desejo de sossegar e construir algo mais íntimo. O problema é que, após a sedução inicial e aquela gostosa fase de descobrimentos, sentia-se como em um estado morno e lá se ia ele se aventurar pelo mundo, que pode ser tudo, menos tedioso.

Ela desejava um parceiro e um companheiro. Alguém que a protegesse e que não lhe tirasse a independência. Que a abraçasse (tinha um fraco por abraços), que não lhe cobrasse e não a abandonasse. Os relacionamentos dela sempre foram longos. Mesmo quando a paixão abrandava, se mantinha ao lado, lutando apesar de o outro já ter desistido. Sabia quando havia perdido. No entanto, se recusava a acreditar, mesmo após escutar a porta bater. E lá ela se metia em um relacionamento novo e inconsistente, em que um traço de respeito com afinidade poderia dar frutos para algo maior.

Viviam satisfeitos, mas não felizes. Não sonhavam. Apenas se movimentavam ao ritmo de seus corações e do trânsito. Cada fase tinha o seu fim e o seu começo determinados e misturados. De olhos fechados, confiavam seu destino ao instante cujo nome desconheciam. Sabiam que haveria de chegar. Mas quando? Onde? Chegaria?

Em uma noite, pela primeira vez em muitos anos, sonharam. Ambos caminhavam em um mundo azulado e deserto. Uma brisa, que gelava nas pontas dos pés e esquentava a partir da cintura, os embalava, sutilmente os empurrando pela paisagem. A mata era batida e as árvores, distantes. Em um piscar, se viram num terminal. O branco era tão forte que os cegava. Andaram por instinto, se guiando por sons agudos de chamada num autofalante e murmúrios abafados.

Esbarraram-se.

Abriram os olhos e se viram.

Encararam-se por longos minutos, num misto de surpresa e admiração. Tocaram as palmas das mãos. Sorriram, dominados por uma emoção que vinha num crescendo.

– Oi. – ele disse.

– Oi. – ela disse.

E, após este breve momento, acordaram. Nunca mais se viram, nunca se conheceram na vida real. Mas, naquele breve encontro, souberam de tudo sobre o outro e de si mesmos. E foi neste momento único que tudo fez sentido.

__________

Daniel Russell Ribas é membro do coletivo “Clube da Leitura” (http://clubedaleiturarj.blogspot.com.br), que organiza evento quinzenal no Rio de Janeiro. Organizou as coletâneas “Para Copacabana, com amor” (Ed. Oito e meio), “A polêmica vida do amor” e “É assim que o mundo acaba”, ambos em parceira com Flávia Iriarte e publicados pela Oito e meio, e “Monstros Gigantes – Kaijus”, em parceria com Luiz Felipe Vasquez, pela Editora Draco. Participou como autor dos livros “Clube da Leitura: modo de usar, vol. 1”, “Lama, antologia 1” (publicação independente), “Clube da Leitura, volume II”, “Sinistro! 3”, “Ponto G” (Multifoco), “Caneta, Lente & Pincel” (Ed. Flaneur), “Clube da Leitura, vol. III”, “Veredas: panorama do conto contemporâneo brasileiro” e “Encontros na Estação” (Oito e meio). Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras.