É bom ver como artistas e cronistas apoiadores do poder, durante décadas, agora contorcem a boca e suas palavras se retorcem para inexplicar o fracasso de suas crenças ou conveniências.
A direita era ruim e a esquerda não é melhor, finalmente chegamos ao empate para começar um novo jogo.
Afinal, porque direita ou esquerda se temos dois olhos, duas pernas e dois braços? Ninguém anda só com uma perna ou vê bem só com um olho – e pouco podemos fazer só com uma das mãos.
Não quero me guiar nem por direita nem por esquerda, quero é ver governo funcionando bem e custando pouco.
O movimento para enxugar as câmaras municipais começou em pequenas cidades, mas pode ser o grande sinal de que começamos a enxergar o Mal.
O Mal, senhores padres, pastores, pais, patriotas, cidadãos e irmãos, o Mal é serviços públicos custando tanto e servindo tão pouco, Estado castigando a nação.
Mas que bom: isso gerou a crise em que tanto se purga e tanto se aprende.
A água, por exemplo, começou a ter a atenção que sempre mereceu. Talvez até aprendamos, com a crise, a apagar a luz e acender a mente.
Que seria de nós sem crises? O vento que castiga a planta também espalha suas sementes.
Embora ache (“e quem acha pode se perder”, já ensinou Noel) que o melhor para o Brasil seria Dilma fora, mas também acho que só pela lei. A esta altura, rua deve voltar a servir apenas ao trânsito.
Conforme a Constituição, Temer será o presidente. Se não puder ou não quiser, será Cunha, se ainda for presidente da Câmara, ou então Renan ou, em pela ordem, o presidente do Supremo (artigo 80) Isso, enquanto se organiza nova eleição, pois “vagando os cargos de Presidente e vice-presidente da República, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional” (artigo 81).
Fora da Lei de novo, jamais! Precisamos da Constituição – e de sua renovação – se quisermos continuar em frente.
Enquanto isso, no mundo de quem trabalha e sustenta o Estado, grandes e pequenas empresas crescem e prosperam ou micham e quebram, driblando ou sofrendo a crise, que bom.
A Crise é um jogo, e pode apostar que vai render melhoramentos para a Civilização, time do meu coração.
Com a Crise, veja que bom, a arrogância entra em crise e a criatividade se atiça!
Quem dança com a nova música, cresce; quem não cresce, dança com qualquer música.
As crises derrubam, elevam, incubam, cevam, amadurecem, a felicidade das crises é mexer com o mundo, senão apodrece!
E só a Crise ensina direitinho que numa república temos de ter direitos e também deveres.
Não vamos sair da crise maiores, mas melhores com certeza. Então vivamos a crise!
__________
* Domingos Pellegrini é escritor, autor de contos, poesias, romances e romances juvenis. Ganhou o Prêmio Jabuti por suas obras “O Caso da Chácara Chão” e “O Homem Vermelho”, além de quatro outros Jabutis em segundo e terceiro lugares. Escreve crônicas para os jornais Gazeta do Povo e Jornal de Londrina. Na RUBEM escreve às segundas-feiras.
Tudo que se escreve leva em conta: leitores e e-leitores.
” ÁGUA MINERAL
Um aristocrata turco esteve na França e apaixonou-se por um vinho branco seco produzido pelo Chateau Carbonnieux, na região de Graves, em Bordeaus. Levou-o para casa e em pouco tempo o vinho transformou-se no favorito da corte turca.
Como o consumo de qualquer bebida alcoólica é proibido pelo Alcorão, criou-se um dilema entre gosto e consciência, criativamente resolvido por um sultão do século dezessete que autorizou a importação do vinho com uma pequena modificação no rótulo. Desde então, as garrafas destinadas à Turquia passavam do produtor ao consumidor, e pela fiscalização de Alá, com o nome de ´Eau Minerale de Carbonnieux´. E todos viveram felizes até, que eu saiba, agora. Pois se os sultões não têm a prerrogativa divina de transformar água em vinho, têm o poder de decretar que vinho é água mineral.
Depois que o trono foi dessacralizado e ninguém mais pode dizer que governa por designação de Deus, estes pequenos milagres laicos são a onipotência que resta ao governante. Ele pode fazer seu próprio rótulo quando o rótulo verdadeiro é inconveniente. O déspota decreta sua verdade e proíbe todos os desmentidos; o governante moderno usa uma boa assessoria de Comunicação ou faz ele mesmo sua própria etiquetagem. No fundo, a preocupação é a mesma, a de impedir que sua pura percepção da realidade – isto nunca foi água mineral! – seja o único critério de julgamento.
(…).
No fundo, o artifício do sultão só mostrava como vivemos sob o poder das palavras. Se vale o que está escrito no Alcorão ou em qualquer outro livro sagrado, vale o que está escrito no rótulo, ainda mais um rótulo vindo de cima. É apenas uma interpretação contra outras. E o resto é metafísica. 26/07/1995″
Éle Éfe Vê (com todo carinho e respeito, grande abraço!) relido 20 anos depois: a crise, no Brasil, é apartidária. E eternamente passageira. Então, bóra arregaçar as mangas na feira! Antes que chova, molhe tudo, vire que é só barro a estrada velha. A nova não saiu porque choveu uma garoa (sábado passado).
Gê Agá prometeu acabar com a praga. Só não decidiu a sigla que vai dar para Contribuição Provisória Para Acabar Com A Praga, incidente sobre a água artesanal e debitada direto na fatura energia elétrica. E isso aí é questão de dias pra resolver…
Auristela