Como já é bastante comum que eu folheie algum livro e, sem querer, logo me depare com alguma citação ao Rubem Braga, não estranhei que justamente nos dias em que estive em São Paulo, vindo de Taubaté, houvesse uma exposição sobre ele no Museu da Língua Portuguesa. É uma lei de atração que provavelmente apenas a mecânica quântica consegue explicar. Ou ela ou o fato de que na última década li, reli e treli todos os seus livros, pesquisei e esmiucei todas as características de suas crônicas, transformei-o em frias tabelas e estatísticas na minha monografia, troquei informações com outros leitores e pesquisadores, vim parar em Brasília por conta disso, criei um blog sobre crônica que leva o seu nome, cheguei a dar entrevista sobre ele, adotei a crônica como meu gênero de leitura favorito e, como se não bastasse, ainda me animei a escrever por causa dele.

Não era, portanto, um desconhecido que fui encontrar no museu. E por isso também não esperava encontrar muita novidade. Pra mim já era bom ver o Braga sendo visto – pelo menos no ano do seu centenário. E lá estava o Braga repórter, escritor, editor, diplomata, cachoeirense, amante das artes, homem da TV e, sobretudo, combatente da FEB. Digo isso porque foi grande o destaque dado à participação de Braga na Segunda Guerra. As salas foram revestidas com capas de jornais da época. Abaixo das manchetes, a crônica que o Braga mandava direto do front na Itália. Também havia uma sala cheia de telefones antigos. Cada um dava uma notícia ou tocava uma música desse tempo. Seria bom se com isso também o “Crônicas da Guerra na Itália” pudesse ser mais conhecido. É um livro diferente do Braga, e ao mesmo tempo um dos mais bonitos.

Pude ler também a sua primeira crônica publicada em jornal – a parnasiana “A Lágrima”, que nem de longe lembra os melhores momentos do Braga. A redação que fez na quarta série, no entanto, chamada “A Batalha das Flores”, já deixava antever muita coisa que viria a fazer parte do seu estilo como escritor. Há ainda entrevistas, fotos, documentos, rascunhos, e outras coisas mais que deixam a gente feliz por vê-lo homenageado.

Tudo isso exposto aqui em São Paulo, onde o Braga se sentiria bem. Ele dizia que Congonhas já havia entrado para a sua geografia. Nesta soberba cidade os seus nervos estalaram, entre emoções e solidões, como vergas de metal do velho viaduto. Dentro dele vibravam, como parte de sua vida, as agitações da ânsia multifária e triste de São Paulo. Era também homem de coração fácil, que logo se afeiçoava a locais, erguia um palco para suas emoções e colocava discretas placas de mármore comemorativas – tudo isso ele escreveu.

E há também Pierina, a amada que vez ou outra aparecia em sua crônica no Diário de São Paulo em 1934. Pierina existiu e se chamava Pierina. Com ela Braga se correspondia por meio de sinais e gestos da janela do seu prédio para a janela do sobrado dela. Às vezes lhe jogava flores ou frutas, sem acertar o alvo. Nunca chegaram a se encontrar, e logo o Braga se mudou de São Paulo. Mas, naquele tempo, o que amava o Braga? Pierina e pouco mais. Pierina e a vida, duas coisas que se confundem hoje, e amanhã mais se confundirão na morte.

Henrique Fendrich