Agora, que está aberta a temporada das festividades juninas, não espere que a nostalgia do tipo São João na Roça desenhe uma expectativa para as comemorações. Se você for aos arraiais, não encontrará o cenário de cultura popular, no modelo tradicional, já organizado no imaginário. Os festejos mudaram: a cada ano, estão ficando cada vez mais requintados. Ou, de acordo com o seu nível de conservadorismo, descaracterizados.

Um dia desses saiu a programação oficial das comemorações que já estão ocorrendo numa das cidades mais famosas do Nordeste, durante o período junino. Em Caruaru (PE), que tem um mês inteiro de atrações musicais gratuitas, foi incluída até uma banda de rock. Isso gerou perplexidade nos defensores da autêntica tradição, cuja opinião é que só o forró deva ter vez.

Confesso que não vi nada demais nessa ousadia multicultural. Quem dita as normas nas festas populares, hoje em dia, para atrair público, é o marketing-a-qualquer-custo. Nesse vale tudo para aumentar a participação e o faturamento, pouco importa que os festejos percam até mesmo as características das manifestações populares e folclóricas. Enquanto mais diversificada for a programação, portanto, mais circulará o dinheiro nas lojas, hotéis, bares, restaurantes etc.

Vamos e venhamos: colocar uma banda de rock para tocar nas festas de São João seria tão desviante, do ponto de vista cultural, quanto priorizar os sertanejos universitários em vez dos típicos forrozeiros. Os sertanejos de butiques são cafonas e a música que eles produzem é a sofrência, o piseiro, o arrocha. Não tocam única nota do autêntico forró, do xaxado ou do baião. Além disso, com suas megaproduções, superpalcos e luzes caríssimas nos shows, os sertanejos estão igualmente fora de contexto dos festejos juninos.

A verdade é que não é de agora que o difícil é encontrar, nas programações juninas, o forró autêntico, o chamado pé-de-serra, com aqueles trios compostos pelo sanfoneiro, zabumbeiro e triangueiro. Antes que me crucifiquem, me chamem de retrógrado, esse formato foi inventado sabem por quem? Por Luiz Gonzaga. Foi ele quem criou o trio. Mas, que graça têm os músicos populares, além da importância folclórica?

Assim como na música, ninguém pense que, indo aos arraiais, também encontrará as quadrilhas matutas tradicionais. Os participantes usam fantasias caras, com bons tecidos e fino acabamento. Os quadrilheiros fazem apresentações com roteiros e coreografias ensaiados o ano inteiro, procurando a perfeição, para vencer concursos. Antes, eram apenas os passos anavantú e anarriê, para saudar os noivos que acabaram de casar.

Quero adiantar, no entanto, que as mudanças são formas que as pessoas encontram de se presentificarem nas comemorações. Coisa da contemporaneidade. Aprendi na escola: tudo muda e a cultura é ativa. Ela tem a velocidade das pessoas no tempo, movimentando-se para a frente. Os festejos juninos seguem essa evolução natural.

No mais, as mudanças na maneira de comemorar as festas juninas sempre ocorreram. Se formos buscar lá atrás, já vai longe o tempo em que as famílias ficavam em frente a suas casas, em volta das fogueiras, com brincadeiras e fazendo adivinhações. As quadrilhas matutas realizavam apresentações nos arraiais; e as ruas eram enfeitados por balões e bandeirinhas coloridos, no estilo Volpi.

As transformações ocorrem porque é a trajetória natural. O problema é que nessa cultura consumista e superficial, que é imposta, o passado, o presente e o futuro, parecem imagens borradas do próprio tempo.

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Cícero Belmar é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife. Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de Letras. E-mail: belmar2001@gmail.com; Instagram: @cicerobelmar. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras.