Quem passeia pela orla nem imagina como está abandonada a área central da cidade, antes referência de novidades, movimento, relíquias históricas, desenvolvimento econômico. Houve um tempo em que, sair do escritório até o café, era garantia de encontrar conhecidos, notícias da última liquidação, cardápios anunciando na calçada almoços tentadores, trabalhadores bem vestidos.

Hoje, o cenário é desolador. Velhos sobrados em ruínas, muitos sem telhados ou metade das janelas. Nas quinas de cada um, brotam plantas resistentes como samambaias, sobrevivendo com a ajuda da chuva e do vento. Não há o que roubar: a maioria das grades de metal, maçanetas, luminárias já foram surrupiadas para venda nos ferros-velhos. Gostaria de saber se ainda há restos dos forros de madeira e soalhos, entre os fantasmas. O que se vê de fora são apenas pombos e mato.

A Prefeitura promete desapropriar esses imóveis esquecidos e o jornal local publicou fotos de alguns deles. Fico imaginando a tristeza de quem já morou ou cresceu ali, diante de tanto descaso. São construções centenárias, algumas com o ano de nascimento na fachada e arabescos que não existem mais nas moradias atuais.

Gosto de idealizá-las restauradas, com a pintura inteira e sem manchas, jardim refeito, muros e portões completos. Sei que a tendência será colocá-las abaixo, a providência mais prática para criar edifícios e moradias populares, a fim de lá abrigar a população de menor renda. Com otimismo, podemos prever que a ocupação provocará a instalação de escolas e postos de saúde, restaurantes a preços populares, farta iluminação, policiamento constante, áreas de lazer.

Utopia não tem limite, mas tudo é moroso na administração pública e imóveis moribundos pedem pressa. O deficit de habitações e empregos, também. Dói passar pelas ruínas de grandes lojas de departamento, tapeçarias de luxo, confeitarias enfeitadas com murais, famosas casas de discos e instrumentos musicais… Tudo agora não passa de lembrança nas cabeças brancas das gerações mais antigas. As novas, atraídas pelos shoppings, desconhecem. Nem vão ao centro da cidade.

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Madô Martins é escritora e jornalista, com 18 livros publicados, sendo três de crônicas: Voo de Borboleta (2009), Som das Conchas (2017) e Longos dias (2021). Escreve quinzenalmente na RUBEM, às sextas-feiras.