Há uma música que ouço.vom frequência: “Every Day is Halloween”, da banda Ministry. A letra é sobre um personagem oprimido por ser visto como diferente. Os outros encaram-no e questionam sua identidade fora do padrão. É uma sensação sufocante, e de fácil identificação. Basta viver no Brasil de 2021, em que a população se dividiu em duas tribos inimigas. Aqui, todo dia é das bruxas, porém não no sentido libertador.

É como nos filmes americanos: um grupo de jovens fantasiados bate nas portas das casas da vizinhança e pedem para seus donos: “Doces ou travessuras”, à espera de guloseimas em troca. Na versão brasileira (que não é da Herbert Richers), o papel da turma seria representado pelo povo, e o governo faria o morador malvado da casa estranha, em atuação canhestra. Nada de doces, somente travessuras. E, pior, alguns se contaminaram com o veneno a ponto de se transformarem em zumbis devoradores de cérebros: “Mito! Mito!”, entoam enquanto se arrastam pela longa noite da democracia.

Como se não se bastasse, este ano o país terá uma data para chamar de assombrada. O feriado da independência se aproxima à medida que a autonomia das instituições periga. Mais do que olhares e insultos na internet, o país encara um jogo sujo cujo resultado pode ser inesperado e terrível. Observar uma seleção retrógrada dominar o placar é insensatez. Cada queimada, aumento na inflação, perseguição aos direitos individuais, morte por Covid… equivale a um gol adversário. Neste 7 (a 1) de setembro, é preciso dar um freio no projeto de destruição do Brasil pelos jogadores milicianos.

Retomo a canção, que deveria ser uma metáfora para góticos, porém ressignifica-se em meio ao sombrio pântano tupiniquim. Não tolerar os abuso servidos, lutar para viver uma vida que possamos chamar de nossa. A única diferença da letra é nós não somos idênticos. Chega de travessuras, queremos os doces direitos que a família criminosa nos retirou.

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Daniel Russell Ribas é membro do coletivo “Clube da Leitura”, que organiza evento quinzenal no Rio de Janeiro. Organizou as coletâneas “Para Copacabana, com amor” (Ed. Oito e meio), “A polêmica vida do amor” e “É assim que o mundo acaba”, ambos em parceira com Flávia Iriarte e publicados pela Oito e meio, e “Monstros Gigantes – Kaijus”, em parceria com Luiz Felipe Vasquez, pela Editora Draco. Participou como autor dos livros “Clube da Leitura: modo de usar, vol. 1”, “Lama, antologia 1” (publicação independente), “Clube da Leitura, volume II”, “Sinistro! 3”, “Ponto G” (Multifoco), “Caneta, Lente & Pincel” (Ed. Flaneur), “Clube da Leitura, vol. III”, “Veredas: panorama do conto contemporâneo brasileiro” e “Encontros na Estação” (Oito e meio). Na RUBEM, escreve quinzenalmente às segundas-feiras.