“Field of Dreams” (1989) – nostálgica sessão comemorativa, com preço reduzido, com cerca de quatro pessoas na plateia de um Regal (talvez o local errado para uma sessão como essa). O enredo desse longa que se relaciona com uma paixão pelo baseball, uma história familiar, e “campesina” até certo ponto, trouxe estranhas sensações. Primeiro, não tenho até o momento amor especial algum, nem entendimento pleno pelo jogo; depois, que filme é esse, raríssimo, em que não bem importa história de amor alguma, em que o sobrenatural aparece e desaparece com uma crença tranquila, pouco atônita, sem consequência de desmaios mas com ações e, surpreendentemente, de alguma forma, comovente, respirante. Não sei explicar o por que do meu choro final, suficientemente breve para durar o tempo da subida dos letreiros, tranquilo. Kevin Costner (Ray) é praticamente quem preenche o filme todo com sua presença, de fala pouca, com jeans claro levemente apertado e camiseta branca, parecendo poder sair da tela e se inserir no mundo atual. Mas há algo mais que traz leve magia, além do time de baseball sobrenatural em suas terras, que clama pela construção de um campo em sua plantação: a presença suntuosa, como coadjuvantes, de James Earl Jones e, principalmente, de Burt Lancaster. Ainda, há uma quase presença em linguagem subliminar de Marilyn Monroe, em um quadro à la Andy Warhol na parede da casa de Ray – o que se explica decerto de uma forma um tanto tortuosa: o segundo marido da célebre atriz foi um ex-jogador de baseball, Joe DiMaggio.

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“Francis Goes to West Point” (1952) – uma das sessões mais vazias dos sábados matutinos de comédias no Vista Cinema, talvez porque seriam bisavós a levaram seus bisnetos para essa sessão; por isso mesmo, muito tranquila e imersiva. Mas talvez também por um motivo adicional, ainda que este deva ser um dos motivos do sucesso da série de filmes da mula falante, a presença de Donald O’Connor, ator e dançarino mais lembrado por “Singin’ in the Rain” (1952), que aqui é o protagonista, e tem toda a paciência e carisma para seu papel. Apesar de já imaginar que O’Connor não iria ter nenhum número musical nesse filme, e isso ser totalmente compreensivo, há certo pesar em um longa sem o ter em movimento, da mesma forma, que também é compreensivo, mas de certa forma triste, Judy Garland não cantar em “The Clock” (1945), focando apenas na love story. Nos dois casos, o enredo funciona muito bem. Uma surpresa, bônus adicional a conhecer parte dessa série da Universal, é localizar um muito jovem Leonard Nimoy, ainda sem a característica voz que ouviríamos em Spock, como um jogador de futebol americano, em curtas cenas, não creditado.

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“They Drive by Night” (1940) – inusual e interessante filme que mostra a vida, o dia a dia e o trabalho árduo e perigoso de caminhoneiros nos Estados Unidos, a isto unindo intrigas e desenlaces de cunho sentimental, sendo as duas vertentes bem desenvolvidas e intrincadas, organicamente. Há certos laivos do La Bête humaine (1938), estrelado por Jean Gabin, nessa questão mostrada que é levemente documental de uma profissão (neste caso, de um maquinista), e mesmo na figura trágica, por sua vez, da personagem de Ida Lupino. Chamou-me a atenção, por exemplo, dois pontos do elenco – se pensarmos nos grandes atores dos filmes de gângster ou detetive das décadas de ouro hollywoodianas, na vertente noir, mas não só: aqui temos a grande estrela sendo George Raft, enquanto Humphrey Bogart está como coadjuvante; o que se “inverterá” dentre em pouco tempo, a partir de The Maltese Falcon (1941). Assim, o ponto de atenção é que nesse longa os dois foram reunidos, e podemos confrontar parte do estilo de cada um dos atores, ainda que a temática seja rara. Ann Sheridan, que realiza o papel da good girl Cassie – em oposição à Lana (Lupino) –, curiosamente, tem um visual e cabelos de uma Marilyn Monroe ainda Norma Jeane…

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Elisa Andrade Buzzo é doutoranda no programa de Estudos Portugueses e Românicos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), mestre em Estudos Brasileiros também pela FLUL e graduada em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Publicou os livros de poemas Notas errantes (Patuá, 2017), Vário som (Patuá, 2012 – finalista do Prêmio Jabuti 2013, na categoria Poesia), Canción rectrátil (La Cartonera, 2010) e Se lá no sol (7Letras, 2005), dentre outros. Parte de suas crônicas veiculadas no site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com) foi reunida até o momento em duas antologias: O gosto da cidade em minha boca (Patuá, 2018) e Reforma na Paulista e um coração pisado (Oitava Rima, 2013). Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças-feiras.