Mentira dizer que luzes exóticas ao que esteja projetado na tela nunca distraiu, ou seria o caso de dizer importunou, a quem escolhe o escuro da sala de cinema para ser transportado para outro universo. Um universo imersivo inundado de som e imagem capaz de contar uma história ao máximo completa e verossímil. Como a pontualidade nunca foi o forte em algumas pessoas, e o cinema não quer perder este público, havia a função de lanterninha. Ele iluminava o caminho a ser percorrido pelos retardatários, prevenindo tombos e esbarrões.

Hoje há discretíssimas luzes nos degraus para a mesma função. Também caiu em desuso a presença reguladora exercida pelos lanterninhas para além da missão de guia. Porém, dependendo da quantidade de leds que se acendem nas telinhas de smartphones ao nosso redor antes de iniciar o filme, dá para prever se a chance de sermos distraídos durante a sessão, ou importunados para escolher a palavra certa, será maior ou menor. Outro indicativo seguro é ver se o dono ou dona do celular permanece com o objeto à mão, ou guarda em lugar menos acessível, como uma pasta ou bolsa.

Um agravante para nosso atual desconforto luminoso é vir acompanhado de som. Dificilmente alguém conversava com o funcionário do cinema ou debatia os destinos ali traçados. O rapaz, por sua vez, respeitava o rito em curso e, na maior parte dos casos, fazia reverente silêncio. Ao contrário, as novas luzes que se acendem hoje vêm com alarme ou música e, depois, adicionadas de conversa. Sim, há quem coloque o aparelhinho na orelha e escute uma mensagem de áudio. Ou atenda ligações dizendo, no mínimo, o tradicional “estou no cinema agora, ligo depois”. O ó.

Vontade, vontade mesmo, seria retornarem os lanterninhas à sala de cinema. E que estivesse entre suas funções a retirada da sala de pessoas que não desligam o celular, como faziam com baderneiros de outrora. O problema é que vivemos num tempo em que todos querem ter razão, e tal proposta seria desastrosa em amplo sentido. Ah, mas seria maravilhoso existir uma voz da consciência, tipo vaga-lume falante, para indicar o lugar aos inconvenientes. E ele não seria ali dentro. Por educação, não direi onde.

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Rubem Penz, nascido em Porto Alegre, é escritor e músico. Cronista desde 2003. Entre suas publicações estão “O Y da questão” (Literalis), “Enquanto Tempo” (BesouroBox), “Greve de Sexo” (Buqui) e “Hoje não vou falar de amor” (Metamorfose). Sua oficina literária, a Santa Sede – crônicas de botequim, vinte e uma antologias, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Literatura 2016 na categoria Destaque Literário. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às sextas-feiras.