Achava que o homem vivia para ser feliz. Para isso devia fazer o bem ao próximo. Quando refletia sobre as condições críticas que o homem abraçava como meta de vida, em algumas ocasiões monologava. Como agora em que o pensamento discorre sobre os males causados pelo dinheiro quando desviado de suas funções essenciais.

O dinheiro dá muito poder e prazer, você tem o domínio sobre
os seres e as coisas, mas tome cuidado, hoje em dia é como uma arma
de fogo, que faz com que os bandidos troquem tiros em qualquer
lugar com a polícia, a disputa ferrenha entre caçador e caça, sem
nada se temer, tira a vida dos inocentes na rua ou em casa com a
bala perdida, tudo por causa desse instrumento que deveria ser bem
aplicado, servir como troca das coisas, não para instigar ambições,
que nunca enchem o cofre sem fundo de quem o tem como moléstia
sem cura, quando se tem muito dinheiro é preciso dominar essa arma
que pode fazer qualquer um o escravo dela, nisso está o perigo, o dono
pode passar a ser servo dessa ferramenta incontrolável na urdidura
do mal, pra não se falar das atrocidades em que ela opera para
deflorar virgindades, sem que haja remorso do que se cometeu como
cruel, como se tudo fosse natural, nada de mais estivesse acontecendo
à vontade, o dinheiro assim instaura o desamor, não querendo a
união geral como a canção permanente de todos, torna-se indiferente
à infância que vive nas colmeias de fome, dorme em escadaria das
igrejas, espreme os favelados, expande as prostitutas no comércio do
sexo, tritura os negros açoitados nos porões da rota escrava, até hoje
sem chance de subir na vida como os brancos, mutila nativos em grito
de fuga e desespero, em expectativas e colisões na rota de vilezas e
assombros, assim é a voz inclemente desse abjeto utensílio que até
o ar confunde com tantas mazelas, covardias, ao invés de produzir
sadios frutos bem-vindos no amor com o sabor da benesse, ao invés
disso no lado da vida ultrajada com fereza, só pretende oprimir gentes
indefesas, alimentar-se nas ondas da corrupção com os detentores do
poder, que inventam sem cessar o caldo da maldade, disfarçando na
cena negativa sua mentira perante os excluídos, que sem saída vão
viver no lixo, servindo aos propósitos do individualismo daqueles que
são empoderados como uns poucos privilegiados, para esses seria bom
mesmo que toda essa gente periférica permanecesse sempre servil ao
dinheiro, nunca aparecesse para reivindicar dias melhores no caminho
desse deus cobiçado, adorado, urdido numa seita fabricante de
homicídios perenes, que põe na alma vícios, humilhações, ostentações,
tormentas, racismos, gritos…

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Cyro de Mattos nasceu em Itabuna, cidade no sul da Bahia. Advogado aposentado, foi jornalista com passagem na imprensa do Rio. Autor de 64 livros entre conto, romance, crônica, ensaio, poesia e literatura infantojuvenil, tem livros publicados também na Itália, França, Espanha, Portugal e Alemanha. Conquistou o prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, o APCA, Pen Clube de Romance, Nacional Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores e o Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, Gênova, Itália. Com O Mar na Rua Chile e outras crônicas (Editus, 1999) foi finalista do Jabuti concorrendo com livros de contos. É Doutor Honoris Causa, pela Universidade Estadual de Santa Cruz, e membro da Academia de Letras da Bahia. Na RUBEM, escreve quinzenalmente, às quintas-feiras.