— Olha o que achei.

Meu cunhado acabava de sair de casa, mochila nas costas e rumo ao porto, quando aparece de novo no portão. Me aprochego.

— Tava no chão, deve ter caído do ninho.

Só agora reparo que ele traz as mãos em concha. Lá dentro, um filhote rechonchudo, de plumagem marrom e bico em modo sirene. Deve estar pedindo socorro: socorro, mãe, esse bípede quer me roubar!

Mas meu cunhado não tem a menor inclinação para sequestros aviários:

— Toma, senão perco o barco! — ele joga a bolinha emplumada nas minhas mãos e sai correndo pela rua de areia. E agora? Indecisa, fico parada ao lado do portão, espiando o pequeno ser escandaloso.

— Barulheira é essa? — Larissa, até agora dormindo na varanda, levanta a cabeça da rede.

— Temos uma situaçãozinha aqui — digo, tentando esconder as mãos. Sempre é uma boa estratégia falar algo assim, bem geral, meio vago, meio qualquer coisa, pra manter o interlocutor mentalmente ocupado, enquanto você vai organizando sua defesa. Chamo de desnorteamento neuronal e tenho feito boas experiências com isso. Mas ela logo percebe o truque:

— Iiiiih, quando você começa a falar estranho é uma de duas: ou tá escrevendo ou pegou algum bicho e não quer me dizer.

Não é a primeira vez que tento salvar algum bichinho, como bem se pode deduzir da fala da Larissa. Quando morávamos em Pernambuco, na Mata Atlântica, não passava uma semana sem que eu recuperasse algum calango das presas do Salém – sempre com vida, porém nem sempre com rabo. Nesses dias o banheiro de casa virava sala de emergência pseudo-veterinária, onde eu tratava o paciente em questão com afagos não solicitados e banana amassada. Ou então o bebê-preguiça: numa tarde de muita chuva caiu da embaúba, e eu tive que fazer um esforço danado pra controlar meus poucos, porém às vezes aparecentes, instintos maternais e não cair na tentação daquele abraço. Também teve a Feijão, claro. A vira-lata mais fofa de Pernambuco, que chegou numa noite meio morta de fome lá em frente de casa e acabou ficando meses e meses. Além de peludinhos terrestres, peludinhos pendurados em árvores e dinossaurinhos contemporâneos, também teve algumas aves: Bárbara Schneider com seus ovinhos, um beija-flor sem nome desmaiado atrás da lixeira e o casal de bem-te-vis, cujas histórias já contei em outros momentos. Enfim, tudo isso pra dizer que tenho certa experiência como salvadora de animais.

Apesar do meu vasto currículo, quando isso acontece, a pergunta que surge é sempre a mesma: o que é que vou dar de comer para essa criatura?

— Será que ele come mamão? — pergunto à Larissa, após confessar tudo e lhe apresentar o paciente da vez.

— Duvido, tem mais cara de minhoca.

Na falta de minhocas, resolvemos tentar outra abordagem: aqui na vila tem um senhor que cuida de passarinhos machucados e depois solta na praia. Nunca falei com ele, mas sabendo disso já me parece uma ótima pessoa. O homem confirma a suspeita das minhocas. Inseto também funciona, ele assegura. O que não exatamente melhora a situação, pois minha experiência como caçadora de insetos é mínima.

— O melhor é colocar ele de volta no ninho. A mãe deve estar procurando. Olhem nas árvores na frente da sua casa.

Dito e feito. Mas o ninho fica alto demais e não alcanço. Então coloco a pequena ave gasguita no muro, bem embaixo da árvore em questão, e me afasto uns passos. Não preciso esperar muito: após poucos instantes aparece um pássaro maiorzinho. Pousa num galho superior, observa o ambiente, pula para outro mais próximo. Finalmente chega ao lado do filhote e deposita uma minhoca no bico dele. Que paz, que tranquilidade! Pelo menos por alguns segundos. A cena se repete umas quantas vezes, e, quando tenho certeza de que o pequeno está em segurança, entro em casa. Mais uma alma inocente salva por mim!

Mas vocês acreditam que poucos minutos depois ouço um escândalo ainda mais escandaloso, seguido por um grande e interminável silêncio? Saio na rua pra ver o que está acontecendo. Não vejo mais o passarinho no muro. O que vejo no lugar dele é um grande gato amarelo lambendo os beiços.

Que erro de principiante!

Algodoal, dezembro de 2023

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Yvonne Miller nasceu em 1985, em Berlim, Alemanha, e mora no Brasil desde 2017. Cronista e contista, tem textos publicados em várias antologias e é autora do livro “Deus criou primeiro um tatu — Crônicas da mata” (Aboio, 2022), que reúne suas vivências em Aldeia dos Camarás, na Mata Atlântica pernambucana, onde viveu por três anos. É mestra em linguística e atualmente vive em Algodoal/PA. Na RUBEM, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras.