
A mesa de jantar era uma balbúrdia. Cerca de dez comensais discutiam, enquanto comiam e bebiam. Alguns haviam terminado a refeição, mas permaneciam nas cadeiras, alegres com as conversas em voz alta.
Depois dos muitos cumprimentos, a onça reclamou da fome, era a senha para deixá-la em paz, junto da rã, sua convidada. Sentaram lado a lado, enquanto em uma das cabeceiras criticavam a comida.
— É o médico do reino — explicou a onça.
— Não tem comida em casa? – a rã perguntou.
— Dizem que é tão ruim, que prefere vir comer aqui.
Foram aos pratos. A rã não deixou de notar: a cada três ou quatro garfadas, por comer tão bem, sua nova amiga sorria de parecer que rosnava, com as garras na mesa. O médico prosseguia nas críticas.
— Eu concordo com a onça — anunciou o unicórnio.
— A comida é boa — completou a girafa.
Entrou a esfinge, que depois de rodear a mesa, pulou sobre o móvel onde ficavam as travessas quentes.
— Não é a comida, é o horário — bradou.
Veio o cozinheiro participar, escolhendo uma cadeira afastada.
— Estou ouvindo — avisou.
Médico, unicórnio e esfinge calaram.
— Se não se importam, vou contar da minha viagem — disse a onça.
Todos quiseram ouvir, mesmo a rã, que ainda brincava com a comida na língua.
— Que lugar estranho — continuou, empanzinada.
— Por quê? — perguntou o coro dos presentes.
A fera cofiou seus bigodes felinos e revelou:
— Não gostam de onças.
O médico engasgou, a esfinge fitou o cozinheiro, e o unicórnio aconchegou-se colado ao dorso da girafa. A rã lamentou por um segundo não possuir presas, ou pêlo quentinho. Daí gargalharam.
Inclusive a onça, riu tanto, que do vão entre seus dentes saltou sobre a mesa um caçador, que havia escapado de ser devorado. Caiu de pé, rolou para o chão e fugiu apavorado. Passou pelo centauro, que ao vê-lo em desabalada carreira pela recepção, para fora do hotelzinho, exclamou:
— Selvagens!
Entrou na sala de jantar e pediu um prato.
Nisso o médico esclareceu para a onça:
— É por causa da quarentena.
— Você também acha? — ela perguntou para a rã.
— Claro que é — a rã respondeu.
Onça e demais se entreolharam. Na recepção, fecharam a porta do hotelzinho. A esfinge tossiu brevemente, como quem não quer nada, nem precisou comentar.
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Marco Antonio é carioca, escritor e cronista. Publicou os contos de “Capoeira angola mandou chamar”, a novela “Cara preta no mato” em ebook, e participou das coletâneas de contos “Clube da Leitura – volume III”, “Escritor Profissional – volume 1” e “Clube da Leitura – volume 4”. Escreve crônicas para a RUBEM desde 2014. Em 2018 lançou “O gato na árvore”, pela Editora Moinhos. Suas crônicas saem quinzenalmente às quartas-feiras.
rubempenz
25/03/2020
Segue a saga da rã, digamos, aos pulos quinzenais… Abração, Marco!
Marco Antonio Martire
26/03/2020
Vem mais por aí, muitas aventuras esperam essa rã e seus amigos. Abração!