
Tenho certeza de que já cruzou com aquele sujeito chato que, ao você narrar sua última viagem, ele, com o conhecimento de um viajante interplanetário, lhe pergunta se não foi a determinado lugar ou experimentou tal coisa. Aposto que já passou por uma situação que lembra o seguinte diálogo fictício:
— Minhas férias em Portugal foram ótimas!
— Mas você provou aquele bacalhau ao molho de carne no restaurante do Zé naquela rua sem saída da freguesia de Ramalhal, em Torres Vedras?
— Bacalhau ao molho de carne? Torres Vedras? Não fui lá não.
— Não? Sério!? Então sinto dizer, mas você não conheceu Portugal. Esse bacalhau é simplesmente im-per-dí-vel!!! (com pontos de exclamação a gosto).
Como não quero ser o estraga-prazeres da estória acima, dou uma dica mais realista do que o restaurante do Zé em Torres Vedras para você que deseja fugir das multidões de Lisboa e Porto.
Visite o Alentejo.
Talvez já saiba que essa região nos remete a paisagens rurais, hospedagens charmosas e ótima comida e vinhos. No entanto, recentemente, lá estive para um passeio de fim de semana com amigos e pude descobrir o Alentejo das praias. Fiz uma caminhada pela trilha dos pescadores apinhada por todas aquelas paisagens de capa de revista de turismo. O curioso é que nada disso é vendido como Alentejo para o público externo que, ao pensar em praias, desce direto para o Algarve.
Voltando ao meu descobrimento, fiquei baseado numa cidade chamada Vila Nova de Milfontes. Os locais não se envergonham de dizer que é a cidade das três mentiras: não é uma vila, não é nova e muito menos tem mil fontes. Os nomes em Portugal ainda reservam muitos mistérios.
No hotel, com a Praia da Franquia como cenário, uma grande surpresa. O pequeno almoço estava lotado de mulheres louras de ombros enormes e coxas do tamanho do meu tronco. Obviamente estrangeiras, pois este não é exatamente o biotipo do Alentejano típico, um pouco mais roliço e baixinho, com suas barrigas felizes pelas delícias do porco preto local.
Voltando àquelas mulheres atléticas e seus uniformes alvirrubros, falando uma língua em que só se ouviam consoantes, num som chiado parecido com o estereotipado sotaque carioca, logo descobri que era a equipe feminina de canoagem da Polônia.
Fugiam do frio insuportável de seu país para treinar no frio suportável de Portugal. Depois de dizimarem todo o estoque de ovos mexidos (que, em polonês, é traduzido como jajezcnica e eu escutava algo como “xaxenxnica”) do hotel, saíram para a praia, levando suas canoas como quem carrega uma bolsa a tiracolo e foram para a água praticar seu esporte de eleição.
Algumas muitas horas depois, com minhas pernas algo maltratadas pela caminhada, rezando para que ainda tivesse sobrado alguma comida na cidade, voltei a Milfontes e, felizmente, as polonesas ainda domavam o mar invernal com a mesma tranquilidade que eu e você passeamos entre gôndolas de um supermercado.
Durante o tardio almoço, ajudado pelo encorpado vinho alentejano, confesso que desejei encontrar alguém que me revelasse ter conhecido o Alentejo. A conversa tomaria o seguinte rumo:
— Você já visitou o Alentejo?
— Sim. Conheci Beja, Évora e provei os ótimos pratos da região.
— Mas não passou por Vila Nova de Milfontes?
— Por acaso, dormi uma noite lá sim. É uma graça de cidade. Lindas praias, não é?
— Mas conheceu-a durante a época do treinamento da equipe nacional feminina de canoagem da Polônia?
— Não.
— Então sinto muito em dizer que você não conheceu o verdadeiro Alentejo!!!
— Que pena. Vou ter que voltar outra vez então.
Em seguida, a pessoa vira as costas e eu fico curioso porque vários amigos nunca voltam a me procurar para obter mais dicas sobre Portugal.
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Marcelo Tacuchian é engenheiro naval nascido no Rio de Janeiro. Sempre usou números e planilhas eletrônicas para escrever. Pensava que era a única forma de se exprimir criativamente. Tenta agora fazer uso de palavras e editores de textos. Na sua busca por mudanças, embarcou para Portugal onde vive atualmente e se esforça para aprender a desafiadora língua local.
Participante da Oficina Literária do Marcelo Spalding e Oficina de Crônicas do Rubem Penz. Não tem nenhum material publicado, mas é um orgulhoso vencedor de um concurso promovido pelo extinto Portal Literal e chancelado pelo escritor Rubem Fonseca.
mariaelvirabritocampos
01/02/2020
Excelente texto!
Abraço,
Elvira
Enviado do meu iPhone
Marcelo T
03/02/2020
Obrigado!
Henrique Fendrich
01/02/2020
O seu futuro livro (tem que fazer!) só com crônicas portuguesas promete ser uma delícia.
Marcelo T
03/02/2020
Obrigado por plantar a ideia, Henrique. Quem sabe um dia.