
Era uma vez, naquele reino, um comentário da rã durante o banquete deu ao rei uma ideia: por que não abolir as bainhas, que as espadas deveriam ser trazidas desembainhadas, dali por diante, pelos cavaleiros.
Foi feito, saiu em forma de lei. Ninguém teve o tempo de reunir lábia suficiente para convencer o rei a mudar de opinião, a esperta rã dera o fora assim que terminara o rega-bofe no palácio, e o soberano encaminhou a ordem para anunciar aos súditos logo no dia seguinte.
Foi uma surpresa. A verdade era: ninguém queria sair com espada desembainhada, a ideia fora discutida mais como uma brincadeira durante um festim divertido. Mas acabou passando.
E o príncipe estava em idade de casar. Foi o primeiro a perguntar: mas se saio com minha espada desembainhada, vai ter briga, quero ser pai, ter filhos, cuidar do reino. Que rã mais intrometida. E mandou procurar a rã, que nunca se encontrava.
A notícia se espalhou por aquele reino e outros: o príncipe muito preocupado e os vizinhos querendo saber como se cumpria aquela lei, de sair às ruas com a espada desembainhada. Os maiores protestos vinham das candidatas a princesa, essas desejavam ver o príncipe, que não deixava o palácio sem que se resolvesse o dilema.
Como o príncipe não saía, ninguém também saía de casa.
As vias ficaram vazias.
Coube ao coelho sugerir ao príncipe uma solução:
“Alteza, já que da rã não se sabe, rogo-lhe que me deixe carregar sua espada desembainhada.”
O príncipe aceitou alegremente.
Costuraram uma linda almofada, e naquela mesma tarde o príncipe finalmente deixou o palácio e flanou pelo reino à vista de todos.
Garboso em sua capa, o coelho em seguida, trazendo desembainhada sobre uma almofada de seda a espada maravilhosa, cravejada de brilhantes, com cabo ornado em ouro e prata. No palácio, o rei sorriu de contente. O povo adorou.
Multiplicaram-se os coelhos.
O reino inteiro voltou a frequentar as ruas aliviado.
O príncipe casou no mês seguinte. Mandou assar o coelho para o banquete das núpcias. Foram felizes para sempre.
A rã continuou sumida, apesar das moscas.
__________
Marco Antonio é carioca, escritor e cronista. Publicou os contos de “Capoeira angola mandou chamar”, a novela “Cara preta no mato” em ebook, e participou das coletâneas de contos “Clube da Leitura – volume III”, “Escritor Profissional – volume 1” e “Clube da Leitura – volume 4”. Escreve crônicas para a RUBEM desde 2014. Em 2018 lançou “O gato na árvore”, pela Editora Moinhos. Suas crônicas saem quinzenalmente às quartas-feiras.
Posted on 29/01/2020
0