As coisas prestes a acontecer aguardam ansiosamente. O cisco espera a passagem do olho. A enchente, a conjugação de bueiros entupidos e o descaso das autoridades. O guarda-chuva, mais do que a própria chuva, espera ser esquecido no ônibus.

Acreditam que estão a segundos de acontecer, mas nem sempre é assim. O tempo não tem a pressa dos desígnios.

A paixão assiste impassível aos dois jovens irem e virem: um morar um tempo em Antuérpia, o outro, se dedicar ao surf; um, virar espírita, o outro, sair da depressão. Aguarda anos e desenganos, até que ela se reconheça nos olhos espantados.

O medo espera pelo despertar dos fantasmas. O sono, pelo prolongamento da reunião. A ressaca, pelo oitavo copo ou o primeiro cigarro.

O coração, programado para bater mais de dois bilhões de vezes, espera que nenhum acidente abrevie seu curso. Mesmo o acidente, assiste aos dois motoristas se atrasarem e saírem de casa arrancando os pneus. Os masoquistas agouram a eficiência do analgésico.

As queimadas torcem e apostam na estupidez da humanidade. A única espera que não decepciona: os homens nunca falham, a todo momento estão fazendo alguma bobagem.

A nuvem vaga, paciente, à espera de outra, e que sua colisão produza um relâmpago – de preferência, que dê susto em alguém, que assim se divertem as nuvens. Maior paciência que o pescador deve ter o anzol esquecido na ponta da vara no canto do depósito.

Algo está próximo de acontecer no reino das galochas. Os chapéus, coletes e os antepassados nas fotos em sépia aguardam sua improvável ressurreição. Já a escarradeira perdeu toda a esperança.

O capacho espera pela sola, que espera pela lama, que espera pela poça, que espera pela chuva, e todos esperam que se repita essa mania que a pessoa tem de andar sem olhar onde pisa.

Às coisas prestes a acontecer só resta esperar. Pelo tropeço, pelo toque no celular, pelo atraso do metrô, a vertigem, o toró, pelo dia que não chega. As videntes sabem quando acontecerá, com precisão e em detalhes, mas, em vez de revelar ao mundo, preferem se fazer de vigaristas.

Só sabemos que está prestes a acontecer. Pode ser daqui a 43 segundos. Quando o sino do recreio explodir. O papagaio latir. Ou a bomba pousar, muito suavemente.

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* Cássio Zanatta é cronista. Já foi revisor, redator, diretor de criação, vice-presidente de criação e voltou a fazer o que sabe (ou acha que sabe): redatar. É natural de São José do Rio Pardo, SP, o que explica muita coisa.  Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças-feiras.