
Meu gosto pelo futebol precede bastante o interesse por outros temas. Não poderia ser diferente, pois como provavelmente afirmaria Einstein ou Steve Jobs: — O futebol nasceu quarenta minutos antes do nada. Ou seja, tudo deriva do esporte maior.
Essa frase é, na realidade, do Nelson Rodrigues, mas referia-se ao Fla-Flu. Embora não fosse seu contemporâneo e não ligasse muito para as polêmicas morais que ele suscitava, cresci saboreando os textos de À Sombra das Chuteiras Imortais. Ah, o jeito grandiloquente e intenso das crônicas rodrigueanas e suas personagens marcantes!
Como esquecer do Sobrenatural de Almeida, que descia aos gramados para ajudar naquele golzinho improvável no final do segundo tempo? E a grã-fina das narinas de cadáver? Tão arrogante e superiora ao povão, mas que mesmo assim sempre se encontrava no Maracanã a assistir os jogos.
Chutam-se quarenta anos e cá estou eu em Portugal. Antes de pensar em encontrar moradia, tirar documentos e abrir conta no banco, algo bem mais importante já ocupava minha mente. Por que time torcer em terras lusas?
Como tomar decisão tão fundamental e definidora de identidade como essa? Minha primeira tentação foi ser puramente racional. No Brasil, sou Flamengo. Por analogia, deveria ser adepto do Benfica. É o time mais popular, tem vermelho nas cores e uma ave como símbolo. Talvez uma novidade para os biólogos, mas urubu e águia dialogam bastante bem.
No entanto, poderia também usar outro critério para driblar esta questão. Já que, com a mudança de país, minha vida daria uma guinada radical, por que não usar essa abordagem para escolher meu clube?
O verde como cor, um leão como símbolo e um time que não ganha títulos importantes já faz quase vinte anos. Viva o Sporting Clube de Portugal! Quase um anti-Flamengo (como tricolor fanático, Nelson Rodrigues dá risinhos no túmulo com este fato).
E o apito final veio com o fato que, para se chegar a Alvalade, onde ele manda seus jogos, eu não precisava fazer troca de estações no metrô. Se fosse apoiar o Benfica, teria que fazer uma baldeação a mais e levaria mais tempo para chegar ao estádio da Luz. Ok, morando em Lisboa, eu poderia ter escolhido o Belenenses, mas não chegava a tanto minha vontade de sofrer.
Daí que comecei a ver o mundo de forma verde. Não tem mais volta. Time é como tatuagem. Não é para se apagar e se trocar de tempos em tempos (conforme escreveu Arnaldo Jabor ou Marina Colassanti ou Veríssimo?).
E o Sporting seguirá comigo até mesmo quarenta minutos depois do tudo.
Finalizo com um pedido ao Nelson. Já que ele mesmo dizia que a morte não exime as pessoas de seus deveres clubísticos, peço que, onde quer que esteja, incentive o Sobrenatural de Almeida a imigrar para cá. Este é mais um ano em que o Sporting está atrás do Benfica e do Porto e precisamos bastante de sua presença por estes gramados.
Eu prometo que estarei de braços abertos para recebê-lo aqui em casa e ciceroneá-lo pelos lugares mais fantásticos de Portugal. Ele vai adorar o estádio de Alvalade.
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Marcelo Tacuchian é engenheiro naval nascido no Rio de Janeiro. Sempre usou números e planilhas eletrônicas para escrever. Pensava que era a única forma de se exprimir criativamente. Tenta agora fazer uso de palavras e editores de textos. Na sua busca por mudanças, embarcou para Portugal onde vive atualmente e se esforça para aprender a desafiadora língua local.
Participante da Oficina Literária do Marcelo Spalding e Oficina de Crônicas do Rubem Penz. Não tem nenhum material publicado, mas é um orgulhoso vencedor de um concurso promovido pelo extinto Portal Literal e chancelado pelo escritor Rubem Fonseca.
rubempenz
18/01/2020
Marcelo, em Portugal não sei. Mas so Colorado e, no teu Rio, sou Botafogo!
Abraços!
Henrique Fendrich
18/01/2020
Acho muito bacana como a gente sempre busca um time para torcer nos lugares para onde a gente vai morar ou se identifica de alguma maneira. Eu adotei o Paraná Clube quando me mudei para Curitiba. É quase como se você tivesse escolhido o Belenenses, porque é só sofrimento, mas já vi o time ser campeão no estádio (faz tempo). Estive várias temporadas em Brasília e por lá os times de futebol são atualmente inexpressivos. O forte lá é o basquete e então eu torci bastante pelo time de basquete da cidade. É uma maneira de a gente se sentir parte do lugar onde a gente vive. De uns temos para cá, graças às minhas origens familiares, eu arrumei até um time tcheco para torcer.