— Ô pá, quem es tu?

— Quem sou eu? Vou dar umas pistas: hoje é véspera de Natal, estou todo vestido de vermelho e me preparando para entrar nessa chaminé. Tem alguma ideia ou quer que eu desenhe?

— Muito engraçadinho. O Pai Natal aqui sou eu.

— Oi? Quem?

— Não te faças de desentendido. Vim entregar a prenda para o miúdo desta casa.

— Pois eu também sou o Papai Noel e, assim como você, estou aqui para entregar o presente para a criança dessa casa. Essa é uma família brasileira e ela quer presentes e não prendas.

— Sabias que estamos em Portugal? Não vês este meu fato vermelho e verde? O monopólio de entrega das encomendas nesse país é meu.

— Não queria dizer nada não, mas essa roupa bicolor de Papai Noel, ou Pai Natal, como te chamam por aqui, tá meio esquisita.

— E tu, com esta camisola de mangas curtas, calções e chinelos? O ridículo sou eu?

— Pois é, me esqueci de que na Europa o Natal é no inverno. Tô tremendo de frio aqui.

— Além disso, cuidadinho, hein? Com esta sua roupa toda vermelha, teu presidente pode acusar-te de ser comunista. Vai querer cancelar o Natal e aí que os miúdos vão ficar sem ganhar nada mesmo.

— Nem fala.

— Sugiro que esqueçamos nossas diferenças e resolvamos logo quem vai fazer esta entrega. Pelo visto, ambos temos uma longa noite pela frente.

— Concordo, Pai Natal. Me deixa ver a carta que o Gustavo te mandou? É esse o nome da criança dessa casa, não é?

— Sim, é esse mesmo o nome dele. Olha aqui o que escreveu: “Olá, Pai Natal. Podes dar-me um fato de super-herói como prenda de Natal? Meus cumprimentos, Gustavinho.

— Que sacaninha! Para mim ele rabiscou: “Oi, Papai Noel. Poderia me dar uma roupa de super-herói como presente de Natal? Abração, Gustavinho.” Mandou cartas para nós dois para garantir dois presentes.

— Não sejas tão duro com o miúdo. Não foi por mal que ele fez isto. Ainda não definiu a identidade dele. Não sabe se é brasileiro ou português ou uma mistura dos dois. Além do mais, em língua portuguesa, esta criança tem futuro!

— Caramba, Pai Natal.  Quanta cultura! Tem que fazer formação em psicologia para atuar nessa profissão aqui?

— São muitos os brasileiros por cá. Já estou acostumado. Sugiro que ambos entreguemos nossas encomendas. Ele foi um bom rapaz durante o ano. Pode checar aí no Google.

— Verdade. É merecido. Vamos a isso. Desce você primeiro que depois vou eu. Mas volta rápido que tô congelando aqui.

— Pronto, tua vez. Podes ir agora. Já coloquei o embrulho na árvore deles. Ah, se não nos cruzarmos em outras casas por aí, um feliz Natal para ti, Papai Noel.

— Feliz Natal para você também, Pai Natal. E desculpa aí as brincadeiras.

— Que nada. Temos uma história e língua em comum. Acabamos por nos entender.

— Verdade. Ainda bem que não me designaram para fazer as entregas para as crianças brasileiras na Croácia. Acho que ia ser complicado bater um papo assim lá.

— Pai, que barulho é esse no telhado aqui de casa?

— Não é nada, Gustavinho. Vai dormir que amanhã já é Natal e teremos muito trabalho em entregar beijos e abraços carinhosos para cada um dos leitores e cronistas da RUBEM.

_________

Marcelo Tacuchian é engenheiro naval nascido no Rio de Janeiro. Sempre usou números e planilhas eletrônicas para escrever. Pensava que era a única forma de se exprimir criativamente. Tenta agora fazer uso de palavras e editores de textos. Na sua busca por mudanças, embarcou para Portugal onde vive atualmente e se esforça para aprender a desafiadora língua local.

Participante da Oficina Literária do Marcelo Spalding e Oficina de Crônicas do Rubem Penz. Não tem nenhum material publicado, mas é um orgulhoso vencedor de um concurso promovido pelo extinto Portal Literal e chancelado pelo escritor Rubem Fonseca.