Aquela galinha branca e gorda finge estar parada, mas avança vagarosa, decidida a bicar o bode do outro lado do céu. Segue disfarçando, passa detrás daquele floco redondo, mas vai tão lenta que, quando chega perto, o bode já está mais para um abacaxi de coroa quebrada. E bicar abacaxi é o tipo do programa besta. Não sei se por decepção, divide-se em quatro nuvens desimportantes, pobre galinha esquartejada, vagando no ar.

Eis que 10 minutos depois surge a cara de um cão. Só do pescoço para cima, o suficiente para vermos que é um cão feliz, de sorriso aberto e orelhas em pé. Mais duas caipirinhas e eu o ouviria latir. Estou aguardando surgir por trás dos prédios a razão de tanta felicidade: uma bola, um moleque companheiro, uma cadela cheia de ziriguidum?

Segundo os entendidos, uma nuvem se forma pela evaporação das águas dos rios e dos mares. Segundo os iludidos, ali está um boto, mais adiante o esboço de um tamborim e, há pouco, uma barbatana de cabeça pra baixo.

Ontem mesmo o céu estava todo azul, sem uma nuvenzinha pra contar a história. Pois lembrem as senhoras e senhores que os anjos moram nas nuvens e, sem elas, eles não teriam como se divertir. Ou você acha bacana passar a eternidade entoando hinos sacros e tocando harpa? Hoje é um bom dia para moldá-las e assoprar para ver o que vão dar.

Aquela, por exemplo: não deu em nada. Um amontoado disforme e indeciso, girando sobre si mesmo. Que logo dá lugar a uma nuvem escura, que chega com pressa e cheia de ameaças, torós e trovões estocados. Lá dentro deve ventar pra burro, pois ela lança flocos pra todo lado, que crescem como pelotões de algodão avançando pelo céu.

Para dar mais emoção ao quadro, no seu caminho está parada outra nuvem – maior, mais escura e com cara emburrada. O encontro das duas não vai dar em boa coisa. É a hora em que as lavadeiras recolhem as roupas do varal e as mães puxam pelos braços seus filhos que se recusam a sair da praia, berrando e se jogando na areia até virar uma farofa só.

Mas o que é aquilo? Um inocente pintinho surge detrás do morro. Há até um furo na nuvem fazendo de olho. Segue firme em direção ao terrível encontro das nuvens. Jesus, ele não está vendo o que está para acontecer? Ah, claro, está atrás da mãe galinha, mas lamento informá-lo que… não, não tenho coragem de dizer a verdade a ele. Que ele pule pra lá e pra cá, desvie dos relâmpagos e aprenda a voar meio ensopado, para já ir aprendendo que a vida é dura, companheiro, e com sorte seu fim será um belo coq au vin com recomendações ao chef.

Nuvens feias nos tornam cruéis e levemente sarcásticos.

Mas também elas passam. Ouço ao longe a conversa dos trovões, foram se encontrar em outra freguesia. O pintinho, a humanidade e as caipirinhas estão salvos. Talvez agora um cochilo. Mas aguardemos que aquele caranguejo cinza sem patas, mas com duas belas tenazes, desapareça pelos lados do oeste. Não, não é de medo, e sim respeito. Apreciamos nuvens, mas não somos bobos. Ou somos, sei lá. Vejamos o que diz o microfone que surgiu no horizonte.

_________

* Cássio Zanatta é cronista. Já foi revisor, redator, diretor de criação, vice-presidente de criação e voltou a fazer o que sabe (ou acha que sabe): redatar. É natural de São José do Rio Pardo, SP, o que explica muita coisa.  Na RUBEM, escreve quinzenalmente às terças-feiras.