No reino da poesia, quem nasce pardal não chega a cotovia.
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Quando soube que Camões escreveu sonetos, o rapaz balançou a cabeça: ninguém é perfeito.
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Alguns defuntos são tão escandalosamente corados que mereceriam o benefício da dúvida.
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Ter simpatia por um defunto, qualquer defunto, é perda de tempo. Nunca a recíproca é verdadeira.
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Tão imponente estava o morto, e tão pimpão, que era injusto chamar-se Fagundes, e não Villegaignon.
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Nos olhos de um escravo do amor há uma gratidão beatífica, uma resignação de cordeiro sacrificado.
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Serviço completo: a vida nos despoja de tudo; a morte, do resto.
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Já sete anos de pastor Jacó servia, mas pensava muito mais em Raquel do que na aposentadoria.
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O poeta concretista trocou a caneta pela prancheta e a inspiração pela premeditação.
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Quando ouve minha voz, a prosa diz à poesia: tomara que ele não chame por nós.
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Quando me lembro de Fernando Pessoa, louvo meus amigos: nem todos são campeões em tudo.
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O escritor morreu velho e calvo, sem nunca ter atingido o público-alvo.
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Vai rareando meu estoque. Meu último bom poema eu escrevi na Belle Époque.
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A melhor forma de expressar uma rosa é poeticamente.
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Para tornar-se um poeta maldito, falta-lhe um tantinho menos de idade e um bocadinho mais de poesia.
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Errar é humano e aprimorar o erro é beckettiano.
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Os concretistas mediam os versos com a fita métrica.
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De um poeta antigo, se bem sacudido, há de se desprender pelo menos um poema de cisne.
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Não é preciso pesquisar. No primeiro dos spoilers, certamente estão as impressões digitais de um chato.
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* Raul Drewnick é jornalista, trabalhou 32 anos no Estado de São Paulo e na antiga revista Visão. Escrevia crônicas para o Caderno2 e para o caderno Cidades do Estadão, além da Vejinha/São Paulo, Jornal da Tarde e o antigo Diário Popular. Escreveu os livros de crônicas “Antes de Madonna” (Editora Olho d’Água) e “Pais, filhos e outros bichos” (Lazuli/Companhia Editora Nacional), além de ter feito parte de coletâneas e antologias. Possui um livro de contos e duas dezenas de novelas juvenis. Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos domingos.
Bom dia, Drewnick! Domingo sem você, não vale. Melhor começar outra vez. Hehehehe…. abração,
“A vida manso lago azul,algumas vezes mar fremente, tem sido para nós uma eterna procura do cisne sobrevivente aquele para vagar solenemente até que a água se tisne, mas ele jurou nunca mais nadar ao lado de outro cisne e menos ainda nunca mais nadar sozinho ! Júlio Salustre entendia de cisnes! Abraços Raul!
Marco, eu gostaria de chamar-me Villegaignon.
Os cisnes parnasianos valsavam e falavam francês, Mariza. Bom domingo, ainda que sem sonetos. Eles andam em falta, em todos os estoques. Bom tempo foi o de outrora, quando o reino era cristão e havia os sabiás de Gonçalves Dias.