Mariana Ianelli*
Cada um com seu canteiro de poemas impublicáveis. Poemas satíricos, líricos, grotescos, herméticos, místicos, épicos, pornográficos. Poemas como uma maneira de chamar certos segredos que por direito compõem a matéria da intimidade de cada um, como um jardim no pátio interno de um claustro. Ninguém além de seu dono precisa saber a verdade que lá está plantada, camélia, jasmim, cacto, papoula, jurema, mandrágora, ou mesmo só pedregulhos num espaço todo cimentado. E se o dono não der fim ao que existe ali antes que já não possa cuidar desse jardim por conta própria, então, o que era um poema impublicável, flor de valeriana ou flor de maio, passará de mão em mão, de boca em boca, fazendo publicamente rever a vida e a reputação do seu íntimo proprietário. Muitas vezes, nem é preciso esperar tanto. São milhares de enxeridos por aí que se infiltram pelo olho da fechadura, que vasculham onde não são chamados e encontram o que não é de sua alçada. E que surpresa vergonhosa, que espantosa armadilha, quando o que encontram esses olhos curiosos não é uma coleção de armas nem um monte de taras, que estranho calafrio quando o que encontram é de fato um baú com poemas de verdade, algum retalho muito simples de infância ou alguma dor profunda, cujo dono, por cautela de mestre oriental, soube esconder dos outros a vida inteira como se a ninguém além dele pudesse um dia fazer mal. Que constrangimento se quem invade o claustro alheio encontra um canteiro luzindo de flores brancas enquanto seu próprio pátio interno se ressente de excesso de espera e nenhuma gota d’água.
__________
* Mariana Ianelli é escritora, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora dos livros de poesia Trajetória de antes (1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio (2005 – finalista dos prêmios Jabuti e Bravo! Prime de Cultura 2006), Almádena (2007 – finalista do prêmio Jabuti 2008), Treva alvorada(2010) e O amor e depois (2012 – finalista do prêmio Jabuti 2013), todos pela editora Iluminuras. Como ensaísta, é autora de Alberto Pucheu por Mariana Ianelli, da coleção Ciranda da Poesia (ed. UERJ, 2013). Estreou na prosa com o livro de crônicas Breves anotações sobre um tigre (ed. ardotempo, 2013). Na RUBEM, escreve quinzenalmente aos sábados.
Meu canteiro anda precisando de cuidados. Quem sabe um novo poema não põe tudo em desordem? Como deveria ser, de um jeito que só eu desentenda, em vez do outro em busca de luz. Beijão!
Mariana, você continua plantando encantamentos. E que boa mão você tem. Eu ia dizer abençoada, mas seria pouco. É bem mais que isso, Quando leio o que você escreve, penso em taumaturgia.
Seu canteiro, com o qual hoje nos presenteia, é um belo poema a perfumar nossa sensibilidade!
Há algum elogio que ainda não tenha sido dito? 😀